domingo, 25 de janeiro de 2015

Relato de Doulagem - Quando um parto gera outros frutos



Um dia tava lendo uns emails numa lista de incentivo ao parto normal e li um texto de uma gestante que me tocou, mais que o comum. Ela falava da gravidez não planejada, da pouca idade e da falta de apoio do seu circulo social ao seu desejo pelo parto. Aquele e-mail foi um chamado. Entrei em contato com ela pelo Facebook e começamos a conversar. Ela é do interior e não sabia se teria estrutura para vir a BH ter seu filho no Sofia, já que sua cidade não oferecia assistência humanizada.
Dessas conversas nasceu uma amizade e uma parceria que com certeza não são desse plano. Não podia ser diferente, eu seria sua Doula. Nos falamos praticamente todos os dias, sobre tudo e sobre parto. Até que no segundo trimestre de gestação, durante um ultrassom, foi detectado uma baixa do líquido amniótico. Pelos profissionais de sua cidade, estava decretada a cesárea. Mas ela, teimosa que só, delicadamente empinou o nariz e saiu dizendo que iria para o Sofia. Foi aí que nos conhecemos pessoalmente. Menina linda, meiga, carinha de criança e persistência de gente grande.

Nesta trajetória da Simone, aos olhos de pouca fé, tudo conspirava contra: ela era nova, recém casada, morava no interior, longe de BH,  não tinha muito apoio social e no final da gestação ainda apareceu essa questão do oligoidrâmnio (diminuição do Líquido amniótico) e pra fechar a maré do contra, seu marido teve uma viagem a trabalho agendada para a época do parto, pra São Paulo. Parecia que ela tava condenada a fazer o que todo mundo faz: ir ao médico e agendar sua cesárea "salvadora".

De repente ela recebeu um "Raio Parideira" (invenção minha: mistura de raio gourmetizador, com chama violeta) e a bichinha resolveu todos os seu problemas como quem esfarela cinzas ao vento. 
Descobriu que tinha uma prima que vivia em BH (isso!), que era enfermeira (Jóia!), que era obstetra (Maravilha!!!) e que trabalhava no Sofia (PQP!!!). Sua mãe assistiu ao filme "O Renascimento do parto" e se transformou na mais nova índia empoderada de Lafaiete.

 Então vieram Simone, sua mãe e o marido para BH consultar com a Kelly, a prima, e o problema da Oligoidrâmnia foi resolvido com hidratação. Mas ainda restou um, o marido estaria em SP.
Óbvio que quem cria esse tipo de conexão com seu corpo e com o universo antevê as coisas. Simone sempre me disse que sua gestação não passaria de 36 semanas. E assim foi. Com exatamente esta idade gestacional ela me ligou avisando que estava com uma cólica suave. Logo depois avisou que iria para a casa da prima. Durante toda a fase latente ela foi me dando notícias, suas e do Bruno que estava em SP. Ninguém sabia se daria tempo para ele chegar, afinal: SP, trânsito, ônibus e bebês são coisas que não se pode prever a chegada. 

Lá pelas duas horas da madrugada recebo uma ligação da Simone, serena, tranquilíssima avisando que iriam para o Sofia. E eu também fui. Dirigindo até o hospital fiquei pensando: É o primeiro parto que doularei depois de grávida. Passei mal a semana toda: nauseada, fraca, lerda... será que terei forças, será que não vou vomitar no bebê, será que não era melhor manda a doula back up no meu lugar? Quando o sinal fechou atravessou na minha na faixa de pedestres uma doninha de bengala arrastando uma perna e empurrando um carrinho com garrafa de café e uma caixa com pão. Ah ném que vergonha! Eu diante de duas mulheres repletas de coragem e eu com medo de vomitar! Só não comprei um café porque o sinal abriu. Vou me alimentar da vida refletida  por essas mulheres que poem o mundo pra girar e eu também quero ir.

Cheguei ao PA do Sofia e o Bruno estava lá! Estava também a tia da Simone, Mãe da Kelly.
Aguardamos ao fim da avaliação e fomos encaminhadas ao quarto Maria Nazareth. Perguntei a Simone como ela estava e ela respondeu sorrindo que tava tudo bem. Fomos para o chuveiro com a bola suíça. Lá as contrações se ritmaram ainda mais. Lembro que ela me falou:
_ Nossa ta começando a apertar, tem alguma coisa que eu possa fazer para evitar isso? 
E eu respondi:
_ Nós não vamos brigar com nada que você está sentindo. Se é dor, vamos a dor. Agora o momento é de entrega, se abre que seu filho vai chegar. 
Chamei o Bruno e passei a ele o vidro do óleo de massagem, deixei os dois no banheiro, reduzi a luz e fechei a porta. Nada como intimidade e carinho para o conforto da dor. Bruno estava afoito para ajudar. Queria cuidar de sua família, amparar sua mulher. Era uma família nova, em todos os sentidos. Um casal de adolescentes, praticamente, preparando-se para receber um bebezinho. Mas eu sentia que aquele momento formava um elo entre eles que jamais seria esquecido. cuidei para que fosse lindo!

Enquanto isso fui conversar com a Tia da Simone. Peça rara, me fez dar muitas risadas. Contei que também estava grávida e ela cuidou de mim como uma tia emprestada. Aproveitei para papear com a Kelly, ela é dessas profissionais na medida. Doce sem ser grudenta e técnica sem ser pragmática, de admirar. Seria assistida por ela no meu parto tranquilamente. Falamos sobre indicação de ultrassom para gestantes de risco habitual, no caso eu, ameacei pegar algo para comer e a Simone saiu do chuveiro com cara de dor, pela primeira vez. Deitou-se na cama. Bruno continuou com as massagens na lombar. Ela me chamou e perguntou se não tinha como usar um anestésico local fraquinho, olhei para ela com cara de "Oi?". Eu a confortei, disse que estava próximo e tal. A Kelly sugeriu um rebozo. Abaixei-me para pegar um xale na bolsa e ela queixou-se de muito calor, Kelly e eu  nos entre olhamos. Simone deu um grito e falou que queria fazer cocô. E nós: já?! Aí foi aquela correria discreta! rsrsrs

Kelly foi encher a banheira e eu ajuda-la a tirar a roupa. Não deu tempo nem de uma coisa, nem da outra. Simone gentilmente avisou: _Gente, tá muito forte, vai sair. Coloquei a Simone na banqueta, posicionei o Bruno e o resto a ela conduziu. Pediu que eu a acompanhasse numa vocalização. Fizemos juntas. Sabe quando se faz aquele tipo de meditação de comunicação celestial? Aquele que o som te eleva? Então, foi isso que rolou. Minha experiência desse momento foi assim, eu e meu filho, ela e o filho dela, elevados!
Com quatro contrações, digo amigas parideiras, apenas quatro contrações embaladas pelo nosso aaaaaaaaaaaa, e o Luca nasceu, parcialmente empelicado, lindo, fofo, saudável e a cara do pai (é isso que eu acho foda)

Não deu tempo de chamar a fotógrafa. Eu mesma tirei as fotos com o celular da Kelly.
Luca era atento ao meio, tal a mãe, aconchegava-se no silêncio. Por isso a importância de um ambiente com tranquilidade e privacidade para o pós-parto também. 

Tenho que confessar que o cheiro, antes tão agradável a mim, do líquido amniótico, me deu uma tonteada. Sentei a borda da banheira e agradeci por ela estar vazia, se eu caísse seria Trash.
Tão logo pariu, Simone estava amamentando. Não foi preciso sutura, pois não teve laceração. Levantou-se para tomar banho e para completar a onda de boa parideira já não tinha barriga, pasmem vocês. 

Simone foi um desses casos onde tudo deu certo. Acho que porque todas as guerras foram vencidas antes do parto. Mas a vida de mãe só começou. Ela que antes lutou para plantar agora é semente em sua família e em sua cidade. Fez uma fanpag no Facebook, Donna Chica, e está se movimentando para trabalhar com a humanização do parto em Lafaiete, através de grupos de apoio a gestantes. Num é pra morrer de orgulho?! Nasci de orgulho! Nasci uma Doula melhor depois de você!

2 comentários:

  1. Chorei de emoção e de tristeza ao lembrar do meu parto...

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    1. Flávia, o que se passou com seu parto é um fato que não se pode mudar. Mas, vc pode escolher com qual lente quer vê-lo. Que o tempo lhe ajude a curar essa ferida. E que você possa ressignificar esta experiência, buscando nela forças para construir um futuro diferente, pra vc e para outras mulheres. nada é por acaso e eu sei que vc sabe disso. Estou com vc, bjs.

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