quarta-feira, 6 de maio de 2015

Amar é dar aquilo que não se tem...

Eu sempre fui uma pessoa apegada as roupas, as bolsas, aos sapatos, mas sobretudo as pessoas. Não era de me relacionar com muita gente, de modo profundo, apenas poucos amigos e os familiares mais próximos. Esses amores eram cultivados com afinco e ciúmes. Pra resumir, se eu pudesse os colocava dentro de mim, para não perdê-los para a vida e principalmente para a morte.

Agora imaginem vocês, como foi para mim, ter o ser que mais amor me despertou, literalmente criado e gestado no meu interior. Na consciência eu tinha o discurso pronto de que filhos se cria para o mundo, mas lá no fundo eu sabia que não era bem assim. Uma vez fora de mim todos iriam tocá-la, sentir seus movimentos, escutar seu choro... Por isso, mesmo sabendo que ela precisava nascer eu relutei.

Em psicanálise, existe uma frase célebre do discípulo de Freud, Lacan, pela qual já foram feitas teses inteiras de doutorado: "Amar é dar aquilo que não se tem". Parece uma locução estranha como tantas outras deste autor. Quando se estuda a disciplina até se encontra lógica, contudo a compreensão íntima do que isso quer dizer, só alcancei com a vivência da maternidade. Precisou a Bebelle chegar para que eu assimilasse o que ele queria dizer com isso. (Se é que eu entendi mesmo, se tiver psicanalista lendo, desculpe aí)

Para que minha filha vivesse eu precisei liberá-la. Fiz o exercício de destravar meu corpo, para que em fim, ela pudesse deixá-lo. E por mais que eu pedisse uma cesárea, eu sabia que quem deveria realizar essa tarefa era o meu corpo. Foi ele quem a acolheu, a sustentou, a alimentou... E seria o meu corpo que sentiria a falta do seu peso, dos seus chutes. Então cabia a ele construir o desapego necessário para que ela chegasse ao mundo e fosse viver a sua vida. Porque "amar é dar aquilo que não se tem". Para realizar essa manobra é preciso se reconhecer incompleta, faltosa, inacabada e a partir desse buraco criar algo novo pra você e para o outro, mesmo que este outro nem saiba do que se trata, afinal, o restante da frase é: "Amar é dar aquilo que não se tem, PARA QUEM NÃO QUER".

Ficou ainda mais confuso? Normal, na faculdade se diz que se Freud explica, Lacan complica. Fato é que eu sou outra hoje. As bolsas que uso são infantis, os sapatos que compro são tamanhot 21... Nada no mundo material me prende mais. Passei de poucos a muitos amigos, alguns nunca vi pessoalmente, outros são companheiras do yoga, amigos dos meus amigos, familiares do meu marido, leitoras do blog, mulheres que me procuram pedindo ajuda sobre parto, sobre amamentação...  Tirei meus amores do útero e os coloquei em redes. Hoje somos muitos, cada vez mais conectados e eu me sinto amada como nunca. É maravilhoso perceber que o amor existe para além do nosso controle.

Então, você, mãe de primeira viagem que se vê plena neste barrigão, acolha suas faltas, suas falhas, importe-se menos com o ideal da mãe perfeita, pois só a partir das nossas imperfeições podemos nos fazer novas denovo. Assim vocês perceberão que ao vivermos  o amor de forma desapegada não se perde, se enlaça.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Relato do meu primeiro Parto e Nascimento da Isabelle


Sugiro que a leitura seja acompanhada desta música:
https://www.youtube.com/watch?v=IwDazs5ScCA

Eu me formei Psicóloga na PUC. Durante todo o curso me dediquei quase exclusivamente a psicologia hospitalar, li todos os livros, fiz todos os estágios que pude e no final fiquei quase um ano desempregada. Quando eu já tava pensando em aceitar um emprego em RH (desespero total) eu fui contratada num hospital geral.

Meu tema favorito sempre foi a assistência a pacientes terminais e suas famílias. No hospital me dediquei a esse público com carinho e afinco pois um dia, quando eu era acompanhante em um episódio de perda, não tive a oportunidade de ter atendimento psicológico, então a cada caso que eu atendia era como se o fizesse pela minha família da adolescência.

Em todas as vezes em que presenciei meus pacientes deixando essa vida, concluí que morrer pode ser mais bonito até do que nascer. Dependendo da perspectiva do doente, morrer é um retorno para casa, é uma libertação de um corpo limitado e adoecido. Observei também desenlaces sofridos e sempre associados ao apego as paixões deste mundo. Certa vez deu entrada no hospital uma senhora que era líder de uma comunidade religiosa, cercada de mulheres do mesmo coletivo, fui convida por elas a participar da cerimônia para seus últimos minutos aqui na terra. Só mulheres podiam estar presentes. Elas entoavam um canto sofrido e lindo enquanto a senhora suavemente fazia sua transição deste mundo para a transcendência. Aquilo não foi morrer, foi renascer. Minha gratidão a tudo que vi e aprendi neste trabalho.

Claro que nem sempre foi fácil, todo dia era uma luta. A morte foi institucionalizada, logo deveria se adequar ao protocolo clínico. Os familiares não podiam chorar na presença do doente, não podiam chorar alto quando ele falecia, enfim, não podiam chora. O paciente não era acolhido quando expressava suas angústias e a equipe jamais deveria se envolver com os casos, neutralidade era a conduta esperada e é assim em quase todas as instituições de saúde. Um exemplo didático: se o paciente pergunta a fisio se ele vai morrer ela diz: _ Não tenho capacidade técnica pra responder, melhor o senhor perguntar ao médico. Como o médico só vem no final do dia e por pouco tempo, ele pergunta a enfermeira que o abraça e faz um Buscopam na veia, mas sai sem nada dizer e chora no banheiro. Chega o médico e o paciente está dormindo. Mas como ele ficou sabendo do caso, deixa uma interconsulta solicitando atendimento da psicologia, afinal quem ouve somos nós. E assim segue o sistema.

Eu até ali lidava bem com os dois locus, tanto o da terminalidade como com o institucional. Mediava equipe e pacientes tranquilamente. Hoje eu vejo que eu tentava ser aquele profissional polivalente que atendia a todos os lados sem se colocar em lado nenhum. Por que: "Quando já não tinha espaço pequena fui, Onde a vida me cabia apertada, Em um canto qualquer acomodei" (Maria Gadú, Quando fui chuva)

Logo que engravidei toda a minha base teórica, prática e de análise pessoal não foram suficientes para me sustentar. As histórias dos pacientes me impactavam mais, eu não mais me recolhia diante dos impasses da clínica e passei a enfatizar meu posicionamento filosófico sobre a conduta. Lembro de uma amiga enfermeira, Luciana, com quem vivenciei experiências lindas, me dizendo que eu estava irreconhecível, que eu era outra pessoa. Ela estava certa.

Eu não planejei engravidar. Tinha cinco meses de casada e fazia planos para ser mãe em cinco anos. Mas o bebê já estava lá. Eu mal me acostumava a vida de casada e já tinha alguém morando em mim. Eu demorei quatro meses pra descobrir a gravidez, meu endócrino já me avisara que eu não engravidaria sem um tratamento longo. Os primeiros sintomas foram interpretados por mim como o início de uma depressão. A vida pessoal e profissional dava sinais de que algo estava fora do lugar, eu não sabia o que era, por isso uma fadiga tomava conta de mim, eu chorava a noite toda, não dormia e comia doce de pêssego no jantar com pizza de sobremesa. Era depressão.

Quando um palito de teste vagabundo me disse que eu tava grávida tudo fez sentido. Eu não estava adoecida, eu estava renascendo. Tudo girou, todas as minhas lagrimas tinha uma razão, eu me limpava, "lavava os sonhos e as calçadas" (Maria Gadú)

Com oito meses de gestação fui atender uma menina de sete anos que veio visitar o avô com câncer terminal. Provavelmente aquela seria a última vez que ela o viria nesta vida. Seria mais uma de tantas outras visitas infantis. Mas não foi assim. Perguntei se ela sabia o que o avô tinha, ela disse que sim, era câncer. Indaguei o que ela conhecia disto e a menina, fofa grau 10, me disse chorando que o câncer era uma doença que tirava as pessoas que amávamos e as devolvia a Deus. Chorei. (Uai, Psicólogo chora?) Não havia o que dizer. Nunca tinha ouvido descrição mais acertada. Não pude presenciar a visita de fato, como sempre fazia. Mesmo ciente da importância daquele momento para o trabalho de luto posterior eu não podia estar lá.

Com nove meses fui atender uma paciente que teve um surto psicótico após complicações em uma cirurgia. O delírio dela era estar grávida de uma menina. Atendi a ela e seus familiares por algumas semanas. Ela já estava estável psíquica e fisicamente quando a atendi pela última vez. No dia seguinte recebi a notícia do seu óbito. A família me relatou que a última coisa que ela pediu foi que trouxessem um presente a minha filha. Eu não sabia, mas aquele era um presente para o meu futuro. Era uma notícia de que a vida e a morte tem vários lados, várias perspectivas e que eu precisava me posicionar.

Paralelo ao trabalho formal eu embarquei numa pesquisa pra saber como seria o meu parto. Quando comentei sobre isso com alguns colegas todos me indicavam obstetras ótimos que faziam cesárea nos melhores hospitais da cidades. Ao mencionar que estava cogitando dar a luz no Sofia o susto e a revolta eram generalizadas: "Você não tem convênio? ", "Parto normal é para pobre!", " Aquilo é açougue! ". Calma gente eu tenho o convênio "fulano de tal", mas estou conhecendo minhas possibilidades. Eu podia dizer: O parto é meu e quem vai decidir sobre isso sou eu! Mas não eu precisava entender, acolher, manejar...

" Que isso! Seu convênio é o melhor que existe, os médicos vão amar te atender". Mas e eu, vou amar ser atendida por eles?

Minha irmã tem uma grande amiga que a sua irmã era enfermeira no Sofia, a Raquel. Ela me atendeu para o pré natal e eu o fiz conjugado com a médica do convênio. Uai menina, fez dois acompanhamentos? Fiz, porque eu precisava da "segurança" que só um médico tradicional poderia me dar. Era importante me assegurar que tudo tava controlado.

A cada consulta fui conhecendo a filosofia do Sofia, a forma de trabalhar, o modo como o processo do parto era amparado e tudo isso me fez refletir sobre a assistência da saúde geral, tudo me fazia lembra a minha rotina, meu pré natal foi uma visita técnica. Óbvio que o Sofia tem suas questões. Mas há naquele lugar um ethos, um jeito diferenciado de fazer as coisa. Tal observação me sacudiu, fazendo com que eu recalculasse minha rota.

Lá pelas 37 semanas a médica do convênio, que era super a favor do parto normal, começou a ver alguns problemas na minha gestação, até então perfeita. Vejam só vocês que coisa grave (isso é ironia), meu colo encontrava-se grosso, duro, sem dilatação e eu não apresentava nenhum sintoma de trabalho de parto. Talvez fosse necessário uma cesárea. Mas não havida nada com o que se preocupar, afinal de contas meu plano de saúde era ótimo. Ela só não contava que o meu plano de parto era melhor ainda. Essa foi a última consulta que eu fui.

Decidida a parir no Sofia, não quis doula nem fotos muito menos filmagens. Meu marido e eu fizemos sozinhos iriamos parir sozinhos. Três dias de prodomos, Já tinha feito escalda pés, ventosa, acumpultura, tomado mil litros de chás e feito escalda pés. Nada da menina nascer. Cheguei no PA com a certeza de que ela tava na portinha e a Raquel me dá a notícia de dois centímetros de dilatação. Eu estava há horas com contrações dolorosas de cinco em cinco. Mais um pouco de espera e em fim fui internada. Só nós dois, Dani e eu, cansados, sem dormir, sem nos alimentar, fadigados de ouvir meus gemidos de dor. Estávamos tensos, felizes de ver nossa Preta pela primeira vez. Essa era a nossa grande empreitada como marido e mulher e tudo parecia solene demais. Tinha o peso da vida fisiológica, mas tinha também a vida familiar que se formava. Tudo incerto e intenso.

Raquel sugeriu que eu fosse para a banheira o que eu logo aceitei pois na minha idealização tão logo eu adentrasse meu bebê sairia, tal e qual se dava nos vídeos de parto que eu assistia. Não foi assim. Daniel foi ao refeitório buscar comida e Raquel foi ao posto de enfermagem. Fiquei sozinha na banheira, a meia luz. Passei a mão sobre a barriga gigantesca e pedi a Deus na mais profunda das minhas orações: _ Senhor, enche este quarto de anjos, sozinha eu não vou conseguir. Neste momento eu senti a presença mais acolhedora e reconfortante, seguido de um barulho. A bolsa estourou. Pensei: _Obrigada Senhor, agora nasce! Nasce nada. A dor veio galopante. Eu me revirava na banheira, não tinha mais posição, tudo era doloroso. Beleza, eu entendi que não tô sozinha, mas esse anjo aí não alivia a dor não?!

_ Agora você tem que sair da banheira pra eu fazer um toque.
_ O que? Nem fudendo. Mas já deve ta nascendo mesmo, vai ser o último.
_ Quatro centímetros de dilatação!
_ Em?
Mostrou com os dedos, 4.
Vontade de sumir do mundo. _Oh Raquel, vamos botar uma ocitocina aí, porque eu não aguento mais. Ela me enrolou até eu não deixar mais escapatória. Ela sabia que depois disso,  aí sim ia doer. E doeu, viu. Pedi cesárea, pedi pra ir embora, pra tirar a dor, pra morrer... Recebi a analgesia.
_Que que isso gente. Porque não fez isso antes? Eu sabia dos riscos, dos malefícios da medicação, mas... foda-se, eu precisava dormir. E foi o que eu fiz. Dormi por uma hora, enquanto Daniel gastava sola de sapato andando de um lado para o outro no quarto, querendo que eu me levantasse e caminhasse. Eu simplesmente não conseguia. Quando fiquei de pé e fui caminhar comecei a sentir uma cólica. Mas, quê que tem, o bebê já ia nascer mesmo. Já eram três da manhã. A cólica virou dor, a dor virou delírio e o delírio virou desejo de homicídio.
_ Me dá outra anestesia, pelo amor de Deus!
_ Agora não pode. Só as sete da manhã, quando trocar o anestesista.
_ Tá doida Raquel, eu trabalho em hospital, ninguém inicia plantão as sete.
Ela só me olhou. E nos deixou a sós um instante.
Daniel: _ Pede uma cesárea agora. Vocês vão morrer aqui, vai passar da hora, você não está aguentando mais.
_ Eu vou pedir.
Quando Raquel veio eu falei: _ Ou faz a cesárea ou eu vou embora daqui. (Desculpe, Raquel)
Raquel trouxe a supervisora de Enfermagem pra conversar comigo.
_Olha, não grita, eu sei que ta doendo, respira fundo, cesárea vai cortar sua barriga é cirurgia, oh você tá gritando, respira, você terá uma cicatriz por resto da vida, oh não grita, é risco pra você e para o seu bebê, oh respira, vamos tentar mais um pouco?
_ Vamos!
Daniel se levantou, puto da vida, foi para o outro canto do quarto manifestar sua síndrome das pernas inquietas*.

Raquel se sentou ao meu lado, me deu suas mãos magrelas, Dani assumiu o posto da massagem na lombar e assim vencemos a madrugada. A cada contração eu espremia as mãos da Raquel e o Dani espremia suas mãos na minha coluna. E nem adiantava me mandar parar de gritar.  A dor do parto é um fenômeno atípico. Diferentemente da dor da humilhação, do descaso e do abandono, a dor do parto não gruda. Ela não faz morada na mãe. Ela passa.

 Assim que deu sete horas da manha eu estava na sala de anestesia sendo medicada. Queimei minha língua. Voltei para o quarto e uma nova enfermeira rendeu aquele "anjo de candura da noite", agora sim a sala estava de fato cheia de anjos daqui: Daniel, Raquel e Adrinez. Eles caminharam comigo e a cada contração nós nos acocorávamos. Eu andava e via rastros de sangue pelo quarto. Mas não senti medo, sabia que estava bem amparada, também não tinha mais força pra gritar. Sentia-me esvaziada, imersa em mim. Certa hora elas me disseram para me sentar na banqueta, Dani ficou na cama e eu me recostei nele. Por causa da analgesia eu não sentia os puxos. Mas sabia que a hora estava chegando pela dor.

Neste instante eu entrei num transe. Não sei dizer quanto tempo durou, eu jurava que foram mais de duas horas, Dani diz que não passou de 20 minutos. Eu estava num caos, meus gritos, meus temores, minhas angustias... faziam um barulho ensurdecedor. Meu corpo inteiro foi tomado por essa sensação, nós eramos só vibração. Senti como se Dani, eu e Bebelle fossemos um. Ele pôs as mãos sobre a minha barriga e o seu toque nos unia. Então por um tempo tudo parou, o caos sessou e foi como se eu tivesse mergulhando no mar. Calmaria. Ela nasceu. Veio para os meus braços, assustada, tremendo as mãozinhas, mas sem chorar. Eu disse: Oi, você é a Isabelle? Eu sou sua mãe. Recostei-a no meu colo e ela mamou. Assim nasceu a minha Preta e assim eu morri para uma vida acomodada.

Meu parto não foi o padrão ourou que se tem propagado por aí. Eu fiz escolhas equivocadas, estudei pouco, não contratei doula, tomei ocitocina na hora errada, enfim, não me empoderei. Mas foi a melhor coisa que já me aconteceu. Foi o meu parto possível e que me aproximou de mim mesma.
Eu fui chuva, que permitiu que a uma criança nascer, uma família se fazer e uma mulher se instaurar.

O puerpério foi um tempo de explosão. Eu não cabia em mim. Queria sair pelas ruas gritando a todas sobre o que passei e como era bom parir. Comecei a estudar, lia tudo que me aparecia sobre parto humanizado. Eu me agigantei naquele momento"Nada do que eu fui me veste agora, Sou toda gota, que escorre livre pelo rostoE só sossega quando encontra a tua boca." (Maria Gadú, Quando fui chuva).  Eu estava tomada de amor pela minha filha e pela possibilidade de renascer profissionalmente. Não sabia como, mas eu precisava lidar com parto cotidianamente. Voltei a trabalhar e todos os dias alguma grávida me procurava pra conversar, alguém me contava uma história de parto... Tudo apontava para um novo caminho. Mas não era fácil abandonar um rumo trilhado com tanto empenho. Há tempos eu sabia de mim por aquele lugar. Demorei quase um ano para fechar esse ciclo. Tive que compreender que não se tratava apenas de trabalho, mas também dos meu lutos pessoais que precisavam ser elaborados. Depois dessa análise eu pude enfim trasmutar a energia do morrer para o nascer.

. Minha intenção era levar a cada gestante a luz que brilhava em mim.

Fiz o curso de doula pelo Inshtar/Minhas doulas e depois de um mês já estava doulando a primeira gestante, Vanessa, a quem serei eternamente grata pela oportunidade. Assim como as professoras e colegas de turma do curso que ainda hoje partilham experiências comigo.

Quando o trabalho engrenou de vez eu pude sentir a graça que é servir a gestantes. Não há nada mais belo e mágico que servir a luz. Tomada de gratidão por ter tomado outro rumo, meu corpo deu sinais que ele também se modificou. Ele se tornou morada para outro ser. Deus mandou outro anjo para ser acolhido e cuidado em nossa família. A vida se recria novamente em meu ventre e não podia ser diferente, eu sou pura criação. Mas já que ficarei um tempo sem doular, fiz um blog pra me comunicar com outras mulheres e poder partilhar essa missão. Outras mudanças se aproximam. Tudo sairá do lugar novamente. E é assim mesmo. Algo morre, para que algo nasça. E foi assim que eu cheguei aqui.

* Síndrome das pernas inquietas: agitação motora involuntária dos membros inferiores. Se identificou, ne?!

quarta-feira, 11 de março de 2015

Há dias em que a gente se pergunta: o quer Deus que de mim?

Essa conversa começou enquanto eu dormia e até agora não terminou, porque eu não paro de pensar nela.

_ Estou me sentindo como se um foco de luz fosse jogado sobre mim. Iluminando tudo. Não há mais nada a ser escondido. Todos os meus defeitos e todas as minhas potências foram escancaradas a mim.

_Você ama muito a sua família, né. Isso é Legal! Mas nem tanto assim, fala a verdade. Eles não são os únicos do mundo sabia? Há outros que precisam do seu amor e dedicação.

Aí eu falo:

_Ah gente, nem faz tanto tempo assim em que eu alcancei a paz entre todos nós. Estamos tão felizes juntos.

_ Ah mais que bom que alcançou! Isso é realmente bom. Mas e agora? A vida segue, né. Você veio ao mundo para evoluir não é? Ou vai ficar nesse regozijo "eterno" e parar sua expansão?

_Uai, pode não?

_ Pode. Sempre pode. Mas é por isso que você reza todas as noites? Ta satisfeita em se resolver no seu mundinho?

_ pqp, você é insistente!

Silêncio. Retomo:

_ Mas tem que deixar todo mundo indisponível ao mesmo tempo? Tem que me colocar no momento mais frágil e vulnerável possível? Tinha que ter crise alérgica, que fazer contrações com 26 semanas? Deixar minha filha sem o mama?

_ E desde quando gravidez é vulnerabilidade? Gestar é criar, é potência, é força dobrada! Porque você precisa tanto de amparo? Como vai ter noção da suas habilidades internas se está sempre cercada de pessoas que lutam por você? E o principal: foi você quem pediu por isso, lembra: " parir meus medos prematuramente, amém "?

_ Ah era, sim. Os medos, não o bebê!

_ Esqueceu que tudo tem um propósito? Que cada ação tem a intenção clara de fazer você evoluir? Que a ascensão de um é a elevação de todos? Não se prenda ao velho, mesmo que ele seja recente. As conquistas vem, mas também não são eternas. É tempo do novo. Tudo deve ser elevado, modificado, melhorado. Não resista! Entregue-se ao propósito da sua alma e ilumine a todos a sua volta.

É aí que eu digo que cada um tem o anjo irônico/psicanalista que merece.





quinta-feira, 5 de março de 2015

Não contrate uma doula

fonte: http://wordbia.blogspot.com.br/2011/01/way.html

O Hospital Sofia Feldmann é uma fonte inesgotável de inspiração pra mim.A cada visita rola um texto novo.  Segunda fui até lá. No caminho eu fiquei meio desconcertada. É estranho ir ao Sofia e não trabalhar. Mas nesse dia a gestante a ser atendida era eu. E quem disse que doula não trabalha no meio de um monte de barriguda?!

A consulta demorou horas e aproveitando esse tempo, a fisioterapia do hospital promove uma roda pra compartilhar experiências e informar sobre parto, prevenção de laceração e etc. Como eu era a única que já tinha parido entre as gestas presentes a fisio pediu que eu contasse como foi o meu parto. Todos foram muito receptivos a minha fala. 

Entre os presentes havia um casal com 33 semanas, participativo, integrado e bem informado. Quando questionados se teriam um doula eles disseram que não. Para espanto de todos. Os argumentos para a não contratação eram claros para os dois: não havia espaço físico e emocional para mais uma pessoa na cena do parto. Ela seria acompanhada, além do marido, pela irmã. Como eles não fizeram vínculo com nenhuma doula até então, não viam sentido em incluir mais alguém após as 30 semanas. Todas as informações que obtiveram foram de modo independente e por cursos. Como eu já tinha me apresentado como doula senti no ar que todos esperavam que eu me posicionasse para convence-los dos benefícios da Doulagem. Eu escutei e só. Uma das gestantes, irmã de uma grande e linda doula militou em favor da categoria, uma fofa, mas foi em vão. Quando eu finalmente resolvi dizer o que pensava ela foi chamada pra consulta. Isso sempre acontece comigo. Então se eu não posso falar faço o quê? Escrevo, né.

As estatísticas de uma pesquisa qualitativa e bem embasada nos dizem que ter uma doula reduz em 50%  o risco de uma cesárea. Isso é, alguém testou em um grupo de mulheres a atuação de doulas, compilou e analisou os dados e depois fez deste um saber universal. OK? OK! Agora vai o conselho que eu queria ter dado a eles: Não contratem uma Doula. A lógica do parto humanizado é subversiva a ciência tradicional, apesar de fazer uso dela. Mesmo que a ciência me dê subsídios para acreditar que é melhor ter uma doula do que não ter, neste caso, recomendo que não tenha. A humanização é império do particular em detrimento ao universal. É a mulher quem faz suas escolhas. Então se ela diz que não quer uma doula, vamos respeita-la. Pq? UAI, o parto é dela. Há que se cuidar do efeito massificador que os grupos de pares podem ter: que se siga o grupo sem avaliar se aquela escolha de fato faz sentido. 

Se tem um ponto pacífico entre os militantes do parto normal é a doula. Se VC pedir um conselho a qualquer um dos papas da humanização, tipo: "Quero um parto normal, por onde eu começo?" 99,9% deles te indicará contratar uma doula, porque é sabido, como diz Ana Cris Duarte, obstetriz, nós "sabemos dos paranauês". Mas não faça essa e nenhuma outra escolha para o parto baseado no saber racional. Ele é importante, claro que é. Mas não se exceda nele, porque a ciência também é uma construção social. Tenha-a como  parceira, mas não como norte. Ninguém precisou provar com pesquisa dublo cego rondomizado os benefícios da amamentação as nossas avós. Elas simplesmente sabiam disso, era natural. Hoje somos mais racionais e vez ou outra alguém precisa nos lembrar do número de doenças que podem ser evitadas com o aleitamento exclusivo e o prolongado. O engraçado, pra não dizer trágico é que, no Brasil, a média de amamentação é de 54 dias. A mesma sociedade que produz o conhecimento de que amamentar é bom não protege nem tão pouco valoriza a mulher que amamenta. A ciência é parte de nós. Tem suas lacunas, por isso não podemos nos guiar só por ela. E agora José e Maria?  Escolha com o coração. Ouça sua intuição! Ela é o melhor termômetro que existe. Além do mais este é o grande barato do parto normal protagonizado pela gestante: fazer as próprias escolhas e se responsabilizar por elas. Para parir ou não, para amamentar ou até para ser mãe ouça sua voz interior.  Isso é humanização. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Relato de uma não doulagem




Natália me procurou por indicação de uma amiga em comum. Pediu informações sobre parto normal, contou que tinha feito uma cesárea há alguns anos atrás por falta de dilação e bacia estreita (abaixo do texto bases científicas sobre esse equívoco de diagnóstico). A sentença foi dada antes das 40 semanas e do trabalho de parto. Agendou-se a cirurgia. O obstetra era o tradicional médico da família e novamente era o titular nesta nova gestação.

Eram tantos questionamentos dela que o espaço virtual estava pequeno. Sugeri a leitura do meu blog e outros textos e um encontro presencial para falarmos sobre suas dúvidas. Como ela iria ao Sofia para conhecer o hospital, eu me dispus a encontra-los lá. 

Ela estava no início do nono mês e despertando para o mundo do parto humanizado. Todas nós sabemos, em maior ou menor grau, como é difícil se livrar das amarras do sistema, sobretudo com a gestação avançada e os medos peculiares a esta fase. Aquelas frases que sempre ouvimos da mães que chegam a nós como primeira referência a humanização, foram ditas: "mas eu me sentiria mais segura com um médico na sala", "E se eu escolher o parto normal e alguma coisa de errado acontecer?" Nada que nenhuma mulher que cogitou o parto humanizado não tenha sentido em algum momento, mas a frequência destas sentenças nos mostram o poder modelador do sistema cesarista.

A visita foi bem tranquila e marido e esposa fizeram perguntas a mim e a ouvidora que nos apresentou a instituição. No final fiquei com a sensação de que ele gostou mais do que ela. A angústia em como deixar o antigo GO estava fortemente presente na Natália. Fiz minhas colocações e deixei que o tempo assentasse o medo e aflorasse o empoderamento.  

Fui para casa feliz porque não há assunto que me deixe mais satisfeita do que falar sobre parto. Ainda mais com alguém que se inicia neste tema. É lindo e tenso perceber, como Psicóloga, como as pessoas reagem as mudanças. Encanta-me poder participar deste processo de transformação e me transformar junto com ele. Mas esse caso me reservava muito mais do que a posição de observadora.

Natália recebeu de uma amiga uma indicação de um médico humanizado que atendia pelo convênio e em uma maternidade privada. Marcou consulta e adorou a acolhida. Contudo o médico pontuou que ela não poderia me contratar pois a maternidade só aceitava as doula já cadastradas. Passou nome e contato para um novo vínculo. Essa é uma conduta questionável por todos os lados, mas falemos disso outro dia, o foco aqui é outro.

Assim que chegou em casa Natália me contou desta nova realidade, ainda pesarosa por me dispensar. Tudo que eu a disse se resume em estas frases, quer foram ditas de coração: Não se preocupe, doula é solução e não problema. Vai dar tudo certo! Estou feliz por ter conhecido vocês.

 A noite, durante a meditação, esse tema me veio a mente; Quando a primeira mensagem da Natália apareceu na minha tela era eu quem procurava uma resposta, de cunho espiritual. E ela me deu. numa sintonia divina, impressionante. Foi ela que veio me guiar, me doular, me orientar.
Ao mesmo tempo em que eu fui contactada pela Natália, eu me preparava para duas grandes mudanças: parir meu segundo filho e logo depois, me mudar de estado. Sim, estou me retirando para São Paulo.

A convivência com a Natália me fez atentar para algo importantíssimo em períodos de mudança: se apegar e se desapegar. Acolher aquilo que o universo nos mandar e deixar partir aquilo que deve ir. Sem sofrer, mas grato pela presença. Por mais que eu ame estar entre gestantes, e sobretudo, por mais carinho que a ideia de doula-la me trouxe, era preciso consentir que essa tarefa fosse dada a outra Doula para que eu expandisse esse ensinamento a instâncias diferentes da minha vida. Desapegar não significa se desligar. Eu não me desliguei da Natália, talvez agora estejamos ainda mais sintonizadas. Esse episódio me preparou para outros desapegos maiores e mais fortes: a distância física da minha família, dos meus amigos, dos meus vizinhos, do meu trabalho, das minha doulandas, da gravidez... O desapego é um convite a abrir mão da lamuria que nos toma tempo e energia e conscientemente criar espaço na mente e no coração para a chegada do novo. O futuro não se sobrepõe ao passado,mas nunca se acessa o presente se não desapegarmos do luto de avançar na vida. Eu estou plenamente aberta ao destino que esta mudança me reserva, por que o futura chegará de qualquer forma, mas será mais amigável se eu bendizer o presente. Obrigada Natália, você me ensinou que deixar ir é deixar que eu vá. Em oração estarei com você todos os dia.

 Aeee galera de SP, tamos chegando!

Links pertinentes
http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Lições de Psicologia à Assistência ao Parto ou sustos de uma acadêmica


Essa história que eu vou contar aconteceu comigo quando eu era acadêmica de Psicologia num Hospital Oncológico. Num feriado qualquer, estava eu sozinha no setor e quando terminei o trabalho, desci para a sala da Psicóloga.  Como não tinha atendimentos ambulatoriais naquele dia, o andar, que era antigo e escuro, estava deserto e com um aspecto bem sombrio para a minha imaginação medrosa. Pensei:

_Calma! Vou deixar minhas coisas na sala correndo, pego minha bolsa, mais correndo ainda e saio voando daqui.

Entrei na sala tipo policial do BOPE, olhando para todos os lados antes de avançar, fechei a porta correndo, e fui desabotoando o jaleco na velocidade cinco. Batem na porta. PQP, sô! Respirei fundo, “Coragem mulher!”. Abri a porta e lá estava um ser com o semblante mais cadavérico que eu já vi na vida. Pra testar se eram meus dons mediúnicos se manifestando ou a minha imaginação de” fantástico mundo de Bob” me pregando uma peça, perguntei:

_Pois não, no que posso ajuda-la?

Por um segundo pedi a Deus que ela dissesse:

_ Nada não, boba, foi engano.

Mas...

_ Você é a Psicóloga?

_Não, sou a acadêmica dela.

_Serve você.

Entrou e fechou a porta.

Tremor

_ Preciso que você me responda uma pergunta: Os mortos podem voltar para falar com os vivos?

Tremor x 2

Pensei: desde que não seja pra falar comigo!

Neste momento parapsicológico, respirei fundo, revesti-me de toda coragem e arcabouços teóricos e falei de forma bem original:

_Fale mais sobre isso!

_Minha mãe ta internada aqui e o médico disse que ela não terá muito tempo de vida. Então eu preciso saber se ela poderá voltar para falar comigo.

Meu coração se compadeceu daquela mulher, como deveria ser terrível perder a mãe. Eu não podia nem imagina tal situação. Um lampejo de pena passou por mim, mas eu não permiti que ele se instalasse. Repassei na mente todas as aulas, a análise e as supervisões  para entender que não era sobre o meu prisma que eu deveria atendê-la. O Sujeito daquela sessão era ela e não eu. Se eu fosse me basear pelos meus sentimentos eu a abraçaria e choraria seu pranto. Mas ela buscou uma psicóloga e o meu papel era de escutar e não falar.

_A Senhora deseja que ela volte?

_ Eu sempre fui expansiva, falava alto, ria alto... e minha mãe passou a vida me controlando. Não ria assim, não fale assim, isso não é coisa de mulher descente. Fui definhando. Um dia perguntei:

_Mãe, a senhora nunca vai me deixar em paz?

E ela respondeu:

_ Nem quando eu morrer!

_ Então doutora, ela pode ou não voltar?


Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive em Psicologia. É o sujeito quem significa sua vida, suas experiências, suas dores. O tratamento psi pode ajudá-lo a revisitar estes momentos e ressignifica-los, mas sempre partindo daquilo que ele vê e como ele vê. Se ao invés de ouvi-la eu a tivesse abraçado e dito coisas como: “Não se preocupe, sua mãe estará sempre com você, onde quer que você esteja...” Eu teria pagado o maior mico deste e do outro mundo.

Agora já formada e como doula, percebo que na assistência as gestantes, muitas vezes, não se percebe essa lógica.  Como se todas as mães fossem iguais, como se toda experiência de parto fosse igual. Estabeleceu-se um padrão ouro no qual todas almejam e só algumas iluminadas alcançam e as outras se culpam por não terem chegado lá. Isso é cruel. Quem significa o parto e a maternidade é a mulher.

Para assistir a gestante é necessário partir de um pressuposto muito caro a Psicologia: Iniciamos o atendimento cientes de que não sabemos nada daquele sujeito. NADA! Parece simples, mas não é. Você tem que se desapegar das suas convicções e saberes para entender que na sua frente há um ser com desejos desconhecidos, mesmo que você o conheça.

Agora se você está diante de uma grávida como: ativista, familiar, amigo ou colega de consultório, tente fazer esse esforço de incentivar o protagonismo tendo como base o sujeito e não o movimento. Aí  você me diz, mas ela é minha filha, sei que ela não suportará a dor, ela não tem estrutura para parto normal, eu não tive. Pronto, já se sabe de quem estamos falando. Dê um passinho pra trás, minha senhora e vamos começar novamente, ok?!

Essa é a hora de ser humilde. É a hora de mostrar que tudo que você sabe sobre doulagem, enfermage, psicologia, obstetrícia, pediatria... não servem para nada no que diz respeito aquele ser, se você não permitir que ele fale. Não é porque muitas mulheres tem medo da dor e preferem agendar uma cirurgia que aquela ali na sua frente também vai querer. O parto de cócoras é muito bem indicado pela fisiologia do parto, reduz o risco de laceração, conta com a ajuda da gravidade, ok, tudo certo, do jeito que você aprendeu na faculdade. Mas essa mulher quer parir deitada, posição litotômica. Parece ilógico, parece que você está atirando seu ativismos pela janela, mas não, você está acolhendo  uma pessoa diferente de você. Não se conhece sua vida, seus traumas, suas questões. Respeite o outro pelo que ele é, pelo simples fato dele não ser você.

Ah, menina, se fosse eu transmitia o parto pela internet. Parir é lindo demais! Mas ela não quer. Não quer a doula, não quer o marido, quer a amiga e só. E só. Aceite.
As mães, quando estão assim como você, adoram quando a gente faz encurtamento de colo. Eu enfio os dois dedos e na hora da contração eu empurro o colo pra trás e você faz força pra frente. O bebe nasce rapidinho. Vai nascer aqui na minha mão, quer ver. Vamos lá!

Não, não existe uma categoria “todas as mães”, nem “todos os bebês” ou “todos os doentes”. Existem,, pessoas e mesmo que a ciência universalize o saber, nós não podemos anular o particular. Cada mulher é uma mulher e cada mãe é uma mãe, na vida e na morte.