domingo, 25 de janeiro de 2015

Relato de Doulagem - Quando um parto gera outros frutos



Um dia tava lendo uns emails numa lista de incentivo ao parto normal e li um texto de uma gestante que me tocou, mais que o comum. Ela falava da gravidez não planejada, da pouca idade e da falta de apoio do seu circulo social ao seu desejo pelo parto. Aquele e-mail foi um chamado. Entrei em contato com ela pelo Facebook e começamos a conversar. Ela é do interior e não sabia se teria estrutura para vir a BH ter seu filho no Sofia, já que sua cidade não oferecia assistência humanizada.
Dessas conversas nasceu uma amizade e uma parceria que com certeza não são desse plano. Não podia ser diferente, eu seria sua Doula. Nos falamos praticamente todos os dias, sobre tudo e sobre parto. Até que no segundo trimestre de gestação, durante um ultrassom, foi detectado uma baixa do líquido amniótico. Pelos profissionais de sua cidade, estava decretada a cesárea. Mas ela, teimosa que só, delicadamente empinou o nariz e saiu dizendo que iria para o Sofia. Foi aí que nos conhecemos pessoalmente. Menina linda, meiga, carinha de criança e persistência de gente grande.

Nesta trajetória da Simone, aos olhos de pouca fé, tudo conspirava contra: ela era nova, recém casada, morava no interior, longe de BH,  não tinha muito apoio social e no final da gestação ainda apareceu essa questão do oligoidrâmnio (diminuição do Líquido amniótico) e pra fechar a maré do contra, seu marido teve uma viagem a trabalho agendada para a época do parto, pra São Paulo. Parecia que ela tava condenada a fazer o que todo mundo faz: ir ao médico e agendar sua cesárea "salvadora".

De repente ela recebeu um "Raio Parideira" (invenção minha: mistura de raio gourmetizador, com chama violeta) e a bichinha resolveu todos os seu problemas como quem esfarela cinzas ao vento. 
Descobriu que tinha uma prima que vivia em BH (isso!), que era enfermeira (Jóia!), que era obstetra (Maravilha!!!) e que trabalhava no Sofia (PQP!!!). Sua mãe assistiu ao filme "O Renascimento do parto" e se transformou na mais nova índia empoderada de Lafaiete.

 Então vieram Simone, sua mãe e o marido para BH consultar com a Kelly, a prima, e o problema da Oligoidrâmnia foi resolvido com hidratação. Mas ainda restou um, o marido estaria em SP.
Óbvio que quem cria esse tipo de conexão com seu corpo e com o universo antevê as coisas. Simone sempre me disse que sua gestação não passaria de 36 semanas. E assim foi. Com exatamente esta idade gestacional ela me ligou avisando que estava com uma cólica suave. Logo depois avisou que iria para a casa da prima. Durante toda a fase latente ela foi me dando notícias, suas e do Bruno que estava em SP. Ninguém sabia se daria tempo para ele chegar, afinal: SP, trânsito, ônibus e bebês são coisas que não se pode prever a chegada. 

Lá pelas duas horas da madrugada recebo uma ligação da Simone, serena, tranquilíssima avisando que iriam para o Sofia. E eu também fui. Dirigindo até o hospital fiquei pensando: É o primeiro parto que doularei depois de grávida. Passei mal a semana toda: nauseada, fraca, lerda... será que terei forças, será que não vou vomitar no bebê, será que não era melhor manda a doula back up no meu lugar? Quando o sinal fechou atravessou na minha na faixa de pedestres uma doninha de bengala arrastando uma perna e empurrando um carrinho com garrafa de café e uma caixa com pão. Ah ném que vergonha! Eu diante de duas mulheres repletas de coragem e eu com medo de vomitar! Só não comprei um café porque o sinal abriu. Vou me alimentar da vida refletida  por essas mulheres que poem o mundo pra girar e eu também quero ir.

Cheguei ao PA do Sofia e o Bruno estava lá! Estava também a tia da Simone, Mãe da Kelly.
Aguardamos ao fim da avaliação e fomos encaminhadas ao quarto Maria Nazareth. Perguntei a Simone como ela estava e ela respondeu sorrindo que tava tudo bem. Fomos para o chuveiro com a bola suíça. Lá as contrações se ritmaram ainda mais. Lembro que ela me falou:
_ Nossa ta começando a apertar, tem alguma coisa que eu possa fazer para evitar isso? 
E eu respondi:
_ Nós não vamos brigar com nada que você está sentindo. Se é dor, vamos a dor. Agora o momento é de entrega, se abre que seu filho vai chegar. 
Chamei o Bruno e passei a ele o vidro do óleo de massagem, deixei os dois no banheiro, reduzi a luz e fechei a porta. Nada como intimidade e carinho para o conforto da dor. Bruno estava afoito para ajudar. Queria cuidar de sua família, amparar sua mulher. Era uma família nova, em todos os sentidos. Um casal de adolescentes, praticamente, preparando-se para receber um bebezinho. Mas eu sentia que aquele momento formava um elo entre eles que jamais seria esquecido. cuidei para que fosse lindo!

Enquanto isso fui conversar com a Tia da Simone. Peça rara, me fez dar muitas risadas. Contei que também estava grávida e ela cuidou de mim como uma tia emprestada. Aproveitei para papear com a Kelly, ela é dessas profissionais na medida. Doce sem ser grudenta e técnica sem ser pragmática, de admirar. Seria assistida por ela no meu parto tranquilamente. Falamos sobre indicação de ultrassom para gestantes de risco habitual, no caso eu, ameacei pegar algo para comer e a Simone saiu do chuveiro com cara de dor, pela primeira vez. Deitou-se na cama. Bruno continuou com as massagens na lombar. Ela me chamou e perguntou se não tinha como usar um anestésico local fraquinho, olhei para ela com cara de "Oi?". Eu a confortei, disse que estava próximo e tal. A Kelly sugeriu um rebozo. Abaixei-me para pegar um xale na bolsa e ela queixou-se de muito calor, Kelly e eu  nos entre olhamos. Simone deu um grito e falou que queria fazer cocô. E nós: já?! Aí foi aquela correria discreta! rsrsrs

Kelly foi encher a banheira e eu ajuda-la a tirar a roupa. Não deu tempo nem de uma coisa, nem da outra. Simone gentilmente avisou: _Gente, tá muito forte, vai sair. Coloquei a Simone na banqueta, posicionei o Bruno e o resto a ela conduziu. Pediu que eu a acompanhasse numa vocalização. Fizemos juntas. Sabe quando se faz aquele tipo de meditação de comunicação celestial? Aquele que o som te eleva? Então, foi isso que rolou. Minha experiência desse momento foi assim, eu e meu filho, ela e o filho dela, elevados!
Com quatro contrações, digo amigas parideiras, apenas quatro contrações embaladas pelo nosso aaaaaaaaaaaa, e o Luca nasceu, parcialmente empelicado, lindo, fofo, saudável e a cara do pai (é isso que eu acho foda)

Não deu tempo de chamar a fotógrafa. Eu mesma tirei as fotos com o celular da Kelly.
Luca era atento ao meio, tal a mãe, aconchegava-se no silêncio. Por isso a importância de um ambiente com tranquilidade e privacidade para o pós-parto também. 

Tenho que confessar que o cheiro, antes tão agradável a mim, do líquido amniótico, me deu uma tonteada. Sentei a borda da banheira e agradeci por ela estar vazia, se eu caísse seria Trash.
Tão logo pariu, Simone estava amamentando. Não foi preciso sutura, pois não teve laceração. Levantou-se para tomar banho e para completar a onda de boa parideira já não tinha barriga, pasmem vocês. 

Simone foi um desses casos onde tudo deu certo. Acho que porque todas as guerras foram vencidas antes do parto. Mas a vida de mãe só começou. Ela que antes lutou para plantar agora é semente em sua família e em sua cidade. Fez uma fanpag no Facebook, Donna Chica, e está se movimentando para trabalhar com a humanização do parto em Lafaiete, através de grupos de apoio a gestantes. Num é pra morrer de orgulho?! Nasci de orgulho! Nasci uma Doula melhor depois de você!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A sua felicidade casou com a dos outros?


Minhas experiências de vida, e olha que nem são tantas assim, tem me ensinado que nada do que passamos é inoportuno ou sem função. Exemplos, please! Ok, lá vai. Eu me casei com tudo que manda o figurino. Cerimônia no civil, no religioso, vestido branco e festa. Se fosse hoje, faria tudo diferente, pois minha consciência sustentável não me permitiria mais investir tanto dinheiro e tempo assim. Mas sou grata por tudo, foi lindo!
Então vamos aos exemplos de aprendizagem. Lá tava eu na festa, recebendo mil "Parabéns!" quando uma pessoa de extrema, digo Extrema, importância para mim, se aproximou e proferiu a seguinte frase: Porque você veio com este vestido (justo), você não sabe que eu tô gorda! Isso sem esboçar um único sorriso disfarçador de recalque. Nos cinco segundos que se passaram eu refiz mentalmente meus 8 anos de análise e no fim concluí: Hoje serei feliz por mim e por mais ninguém. Dei um abraço forte nela e falei ao seu ouvido: Pois eu tô achando você linda! Saí sem olhar pra atrás e curti a festa como se fosse meu último dia na terra. 
E daí? Isso poderia ter sido bem desagradável, mas minha posição interna não só me ajudou naquele dia como também me ensinou uma lição fundamental quando fui mãe. As pessoas não são obrigadas a partilhar da sua alegria. Principalmente se o caminho que elas percorreram na vida a levaram para decepções, tristezas e angústias. Óbvio que você também não precisa se alinhar a melancolia do mundo, mas é reconfortante reconhecer a angústia alheia e nela não se fixar. Entender que o que pertence ao outro é dele e o seu é só seu. Na alegria ou na tristeza. 
Quando um amigo ou familiar ficar perguntando: Você vai fazer parto normal? Porque não faz uma cesárea? Muito mais rápida, segura, limpa... Você quer ficar parecendo bicho? Reflita!
Se você tomou a decisão pelo parto normal, não espere aprovação das pessoas, elas não precisam. Nem crie expectativas de que todas ficarão super felizes por você ter conseguido parir um bebê de 4kg sem laceração. Sempre terá um engraçadinho desinformado para falar do perímetro da sua vagina. Aproveite as boas e más experiências e construa a sua vida, a sua maternidade. Case-se com a sua felicidade e vivam juntos para sempre!

Nota somente para o noivo: Eu casaria de novo com vc mil vezes!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Novo Ciclo: Romance!

Eu era dessas mulheres que ao assistir um canal feminino mudava de programação assim que começava qualquer atração que tivesse: Crianças, parto e família. E ainda pensava: que insistência em fazer da mulher uma reprodutora! Ah não, acaba um programa super interessante de culinária e começa um de parto?! Indigesto. 
Assim que me casei decretei logo que não queria filhos nos próximos cinco anos. Especialização, Mestrado, terminar o Francês, curso de psicanálise... mil prioridades. Com cinco meses depois eu tava grávida. O FDP do meu endocrino repediu mais de 10 vezes que eu precisaria de muito tratamento pra engravidar e sem fazer nada, ou quase nada, eu engravido. 
Foi um chacoalho da vida que me tirou da linha e me pôs a fazer as únicas coisas que me aliviam quando a angústia bate a porta: conversar, estudar e escrever.
Comecei conversando com pessoas da área de saúde, mães que tiveram cesárea e parto normal. Estudei tudo que achei pela frente, conheci o universo do parto humanizado e agora escrevo este humilde blog. 

Nesta fase, inicio um novo ciclo, (esse blog tem ciclagem tão rápida que é quase bipolar). O blog vai trazer, em dose homeopáticas, um romance com duas protagonistas: Madá e Hanna. São mulheres que como todas nós vão lutar para viver o sagrado feminino numa sociedade patriarcal e machista. Óbvio que terá gestação, parto, família, mas por favor, não troquem de canal. rsrs
Acompanhe aqui no blog, em breve!


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Disputa entre mães


Uma vez eu falei pra uma colega que não conseguia mais ir a eventos sociais porque minha filha não parava quieta. Ela disse que isso nunca acontecia com ela. Que sua filha sempre ficou quietinha, que era um princesinha. Na hora me deu uma inveja e uma sensação de inadequação. Passado umas semanas nos encontramos num evento com nossas crianças. A filha dela se portou tal e qual a minha. Ou seja, não deram sossego nem pra conversamos, como era esperado para duas crianças, mas elas era duas meninas.
Eu interpretei uma características da minha filha com algo da minha personalidade. Por isso fiquei ofendida com o suposto exito da outra mãe. Era como se ela soubesse educar melhor do que eu. Quando percebi que as coisas não eram bem assim, me deu um certo alívio que logo deu lugar a um questionamento: Por que meninas não podem brincar num lugar tão cheio de estímulos? De onde vem essa culpa por não adestrar suficientemente uma menina para que ela não faça aquilo que é particular a quase todas as crianças: brincar, subir nas coisas, correr...

Culturalmente somos levadas a pensar que uma mulher de verdade deve ser a melhor mãe do mundo e isso significa fazer de sua filha uma versão das princesas da Disney, ou seja uma menina  quietinha e bem comportada, sinônimo de dignidade. Nada disso se aplica aos meninos. Tô mentindo?
Descobri com esse episódio que a minha idealização de ser uma mãe perfeita para uma filha perfeita me deixaram decepcionada quando apareceu um furo neste ideal. Provavelmente foi esse mesmo mecanismo que fez com que a outra mãe mentisse.
Hoje se tem algo ao qual me dedico é contra o machismo que nos impõe o ideal perverso da perfeição como mulheres e mães. E para manter esse padrão estimula a competição entre nós. Somos todas irmãs imperfeitas, mas dando o nosso melhor. Não é rivalizando que mudaremos este cenário, mas nos unindo para alcançar um futuro digno as nossas meninas e meninos

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Como desatar os laços da supervisão constante sem desligar o amor?


Outro dia, eu acompanhava uma gestante na casa de Terapias Integrativas do Hospital Sofia Feldman e enquanto ela recebia um escalda pés eu conversava com outros acompanhantes. Como também estou grávida, o assunto não podia ser outro além de filhos. A mãe de uma gestante me falou uma frase que ecoou nos meus ouvidos: "Quando os filhos são pequenos nós somos protagonistas mas, quando elas crescem nós nos tornamos expectadores".

Porra! Expectadora! Pensei. Será esse o futuro que me espera? Pensei na minha mãe, lembrei da minha sogra e de outra mulheres mães de filhos adultos. Refleti sobre esse lugar da mãe na terceira idade e principalmente sobre o lugar que eu quero ocupar quando eu for mãe da mãe.

Como será estar inteiramente integre a um ser e depois deixar de estar? Se num primeiro tempo a mãe está totalmente conectada ao bebê, como desatar os laços da supervisão constante sem desligar o amor? E mais, como ocupar o espaço antes inteiramente tomado pela maternagem?

Cada sujeito encontrará suas saídas. Contudo, uma reflexão a respeito seja fazer uma distinção entre dedicação e amor. Se associarmos que o amor dos filhos estão diretamente ligados aos cuidados que damos a eles essa transição talvez nunca se faça. Uai, se o menino me ama porque eu faço tudo por ele, vou continuar tirando a cebola da salada dele, no auge dos seus trinta anos.

Mas se o amor e cuidado são uma coisa só para um recém nascido, ao tornar-se adulto o cuidado constante é para a sobrevivência de quem? Querer ser protagonista na vida de outro adulto é uma tentativa de viver uma vida que não lhe pertence. E digo mais, porque hoje tô mau que nem o pica pau, nunca lhe pertenceu. Putz! A magia das mães não é a onipresença, mais a paciência de revisitar sua vida na do filho e saber que esta não é a sua.

Inevitavelmente a gente se vê nos filhos. Relembra as escolhas dos nossos pais, as nossas próprias ações e se o passado for de dor toda recordação trará consigo uma sensação de que as coisas podiam ter sido diferentes. E no intuito afoito de se diferenciar repetimos os mesmos medos. E toda vez que repetimos, entrando na "roda viva" somos expectadores de nós mesmos. O melhor jeito de fazer o trânsito entre a mãe de RN para a mãe de um ser adulto é não deixar de ser protagonista da sua própria vida, entendendo que na vida alheia, mesmo a do seu filho, seremos sempre expectadores.

E agora, como filha que repete mãe, repetirei uma frase que ouvi da minha Professora Rosana Vieira: "Quando você não tem objetivo de vida, vira objeto na vida dos outros".

Esse texto propõe muito mais questões do que respostas, talvez por ser esta um peculiaridade da autora, mas convido a vocês a pensar junto comigo em soluções possíveis para estas questões. A maternidade também se faz no coletivo. E não pode demorar, porque minha filha tá crescendo!

Protagonismo Feminino



Esse texto foi construído a partir da minha experiência clínica e teórica como Psicóloga e como mãe que se debruça sobre o universo do parto, sobretudo no espaço virtual de grupos de parto humanizado. Tendo essas duas vertentes decidi fazer um texto sem comprometimento científico, apenas um diálogo de uma psi observadora, sobre o tão falado Protagonismo Feminino.


Nas redes sociais podemos perceber como as pessoas buscam incessantemente um mestre que lhes digam como e pra onde caminhar. Quem nunca viu nos grupos virtuais perguntas como: o que acham da minha mãe assistir o meu parto?



Esses questionamentos, em geral, vêm de um momento de desorientação, não só técnico-

cientifico, mas do próprio desejo. Que tal se perguntar: quem eu quero do meu lado nessa hora? Como elas se comportam quando estou em situações limitrofes? As respostas podem te surpriender!


Talvez a distinção necessária aqui seja entre os conceitos: vontade e desejo.
Um não é maior do que o outro. A vontade a gente sempre conhece, já o desejo.... Atrás de uma vontade tem sempre um desejo e serem coincidentes não é uma regra, na maioria das vezes é a excessão.  Por exemplo, a pessoa pode ir a mil médicos querendo se livrar de uma diarréia que a acompanha sempre, por nada e por tudo. É sua vontade se livrar dela, mas o seu desejo inconsciente é se manter "desandada", pois foi assim que ela aprendeu que seria amada, sendo a doente da familia. Ela pode fazer uma colonoscopia por ano e não obter nenhum diagnóstico ou ela pode buscar um caminho de trabalho que a coloque de frente ao seu inconsciente.


E aí, o que fazer? Uma vez entendido o processo psíquico da construção do sintoma, não precisamos ser escravos do nosso desejo! Podemos colocá-lo a favor de uma vida melhor. E aí, talvez e, por exemplo, " desandar" o sistema e parir naturalmente, sem que isso lhe custe nenhuma "prisão de ventre".


Quando se começa a ler os relatos de parto, vendo as fotos lindas, todas esperam um parto extraordinário.
Para ser espetacular seu parto não precisa ser de gêmeos, pélvicos e empilicados, no mar e com golfinhos! Se for, me mande as fotos. Se não for, será fora de série, pois foi o seu parto possível.  Pode ser que ele demore mais do que pensou, que tenha mais gases do que você queria, mais intervenções do que você almejava. Mas ainda assim será o seu parto.


É ótimo o sentimento de pertença a um grupo. Ele nos faz sentir parte de um todo. Mas parte não quer dizer igual. O primeiro grupo ao qual pertencemos é a família. Na adolescência destoamos desse ambiente conhecido para construir outros laços. Lançar-se nesse novo mundo tem a intenção de nos apresentar num universo de possibilidades para além dos muros de casa. E isso é bom. É necessário, inclusive. É esse processo que nos ajuda a sair da condição infantil, les infan, aqueles que são falados, para a a fase adulta.


Contudo, venho observando um fenômeno interessante. Noto que há uma busca por adesão e aceitação a esse coletivo pelo espelhamento.  Se em sua maioria as mulheres que já fazem parte desse grupo são vegetarianas, eu, viro logo vegana que é para garantir. Caricaturas a parte, o que tento dizer é que não sair do casulo e fazer tudo o que os familiares esperam é alienação. Isso não é um julgamento moral. É uma constatação. Quer dizer que naquele, momento você fez o era possível fazer, com os recursos emocionais existentes. Uma cesariana, por exemplo. Essa experiência não levará ninguém ao purgatório materno/freudiano/feldminiano. (Essa expressão foi inventada!)
Ela é apenas uma experiência. E como tudo que tem valor emocional pode ser retificado,  significado e ressignificado quantas vezes você se propor.


Na outra ponta, buscar o parto normal  humanizado para ser o avesso das experiências nucleares, te mantém na mesma referência. Fazer algo ou deixar de fazê-lo em função de alguém te conecta ao desejo do outro e não ao seu.
Nessa posição o grupo externo é colocado na posição de mestre.
O discurso da mulher, nesta condição,  busca alguém que lhe dê o caminho das pedras. Já o do mestre quer dar o caminho que tape todos os seus furos. É casamento perfeito, não é!? É o lé com crê. Mas nesse jogo ninguém é senhor do seu desejo. Ninguém é sujeito e sim assujeitados as próprias vontades de serem plenos.  Tornar-se um ser desejante pressupõe lidar com as falhas.  Só há desejo se há falta. E isso é um saber construído.
Esse trabalho não passa pela identificação massissa,  mas sim pela aceitação das diferenças. Então, OK se você é a mineira mas gaucha que existe e sua doula só come veg. Tudo bem se sua mãe achar que você é um bebê que vai parir outro bebê e sua sogra cura humbigo com fumo de rolo. Tudo isso pode coexistir no mesmo lugar. Um desejo não aniquila o outro. Até porque todos que te amam querem te ver feliz. E pra isso, você precisa apontar ( protagonizar) para o seu desejo.

O empoderamento não está no parto normal, está em você! Em qualquer situação ele sempre esteve e sempre estará em você. O parto normal humanizado é uma excelente ferramenta para alcançá-lo.  Ele nos leva aos nossos extremos, ficamos frente a frente como nossos limites e para ultrapassá-los precisamos nos responsabilizar pelo nosso desejo. Quer um parto normal? Então terá que sustentá-lo emocionalmente e colher tudo que ele trouxer de bom e ruim.  E aí, construído isso, quem sabe, durante o trabalho de parto você não prove a feijoada vegetariana da Doula, receba o cafuné da sua mae e... Ah fumo de rolo não, né. Rsrsrs brincadeira, ou não.

Como pari meus medos



Se um evento da vida te causa perplexidade, te deixando sem palavras para descrevê-lo, acalme-se. Nossa psiquê tem um mecanismo pra lidar com isso. Comigo foi assim em relação ao meu parto. Se alguém da ouvidoria do Sofia chegasse pra fazer uma pesquisa de satisfação, momentos antes do bebê nascer, eu responderia: PQP QUE TREM SOFRIDO!


Todo evento dessa natureza, exige de nós um tempo de elaboração. Como diria Freud é preciso: "Recordar, repetir e elaborar". Por isso cenas do parto nos vem a memoria o tempo todo. Para darmos um contorno simbólico ao que se passou. Existem pessoas que esticam algumas das fases e precisam de ajuda para concluí-las.


Ao elaborar o meu parto, agora depois de quase dois anos, percebo que precisei de tudo aquilo. Foram três dias em pródomos, 12 horas em trabalho de parto e duas doses de analgesia. Esse tempo não foi para o nascimento da Isabelle. Esse tempo foi pra mim. Eu precisava, antes de trazê-la ao mundo, parir meus medos. Medo de não ser boa mãe, de não conseguir amamentar, de não sustentar valores para aquele novo ser. E eu os pari, um a um. O expulsivo não demorou 10 minutos. Apesar da minha percepção de terem sido duas horas. Assim que eu a peguei em meus braços eu era uma mulher/mãe destemida. Eu cuidei dela com a destreza de uma parideira do interior, dessas que já estava no seu 16º filho. Cuidei do umbigo, dei todos os banhos, cortei as unhas. Rsrsrs Parece pouco cortar as unhas, mas quando se vê 20 dedinhos minúsculos com unhas que parece papel de seda a coisa muda de figura. Pois eu as cortei. Inclusive, em certa ocasião, cortei a pele do dedinho junto e embora eu tenha morrido um pouco naquele dia, ela, pasmem vocês, não morreu! Não se paralisar com o medo não garante aceitabilidade, mas garante que você vai viver.

Agora com o segundo, vez ou outra vem alguém testar meu destemor: "ishi, você vai sofrer com o ciume quando esse nascer", "Deus do céu! Mulher grávida não pode amamentar, mata o BB da barriga", "Dizem que o parto do segundo é ainda mais doloroso". E eu? Agradeço ao universo, desta vez já estou parindo os medos prematuros.

O fantasma comédia do puerpério



Eu tinha acabado de parir minha filha, tava em êxtase com o parto normal, mas muito cansada. Quando grávidas ficamos loucas para o bebê nascer e além de curtir a cria, descansar do período da gestação. Piada isso! E aí que a gente se engana, porque você não só não descansa como dublica suas tarefas entre fraldas, mamadas e arrotos (do bebê).Tudo isso fica muito mais leve se você tiver ao seu lado alguém de confiança que dê suporte logístico com a casa e carinho ao coração. Eu tive e foi a minha mãe. Ela veio para o meu apartamento de mala e cuia de ótimo grado.

Como eu estava casada a pouco mais de um ano o quarto de hóspedes não estava pronto, como não está até hoje, mas para acomodá-la colocamos um colchao na sala que tinha TV e uma janela grande para melhor ventilação. Ela passava o dia cuidando da casa e eu da Isabelle. A noite
ela pegava minha filha e eu ia pra cozinha fazer o jantar. Era uma troca boa porque ela babava a neta e eu renovava as energias no fogão. Depois eu ia para o meu quarto, amamentava, punha pra arrotar, colocava a Bebelle pra dormir e ia pra cama também. Minha mãe sempre ficava um tempo a mais acordada, no tablete, postando fotos da neta.

Neste dia, Bebelle já tinha mamado nos dois peitos, proferiu arrotos dignos de campeonato e nada de dormir. Era por na cama e ela acordava. Pensei: vou leva-la pra sala, quem sabe lá ela dorme. Assim o fiz. A luz tava apagada. Quando cheguei na sala dei um tchausinho pra minha mãe me ver e não fazer barulho. Mãe de recém nascido tem tanto medo de barulho, ne. Ela me olhou com uma cara estranha. Sentei-me no sofá, na ponta oposta e fiz um sinal. Ela fez que viu e parecia fazer força pra continuar olhando pro tablete. Uai, que isso, mãe, pensei, ta com raiva?
O vento da janela tava de mais para a bebê, mas ela não olhava pra mim pra eu pedir pra fechar. Balacei a fraldinha de boca pra mexer com ela e a danada estatelou o olhar no tablete, sem nada ver. Continuei acenando, mais forte e ela virou o tablete pro meu lado. Tá louca, mãe! pensei.
Ela se benzeu com o nome do pai, encolheu as pernas e pôs o tablete na frente do rosto. Oh meu Deus, que coisa esquisita é a menopausa! Será que ela não ta me vendo. Só aí percebi o óbvio, ela tava sem óculos, num encherga nada sem ele, mesmo que eu esteja de vermelho. Joguei nela a fralda. A mulher cantou cavaco deitada, deu três rodopios com duplo twist carpado e caiu de pé. Chamou todos os santos da ladainha e quando viu que era eu proguejou todos os anjos caidos.
_oh praga é você! Quase me joguei da janela! To vendo esse volto vermelho sacudindo um pano branco. Achei que trem ruim.
Hahahahahaha

Caímos numa risada sem fim. Acordamos a Isabelle, mas valeu a pena. Era a endorfina que precisávamos para quebra o gelo do puerpério. Quando você chega do hospital com um bebê parece que tudo é solene, sério e eterno. O primeiro banho, o umbigo que cai, os primeiros sete dias... O humor nos ajudou a dialetisar esse momento e a percebê-lo como vital, mas também divertido. Fazer graça dos equívocos de comunicação dissipa a ansiedade que todos sentem pela vida nova.
Se por aí o clima ta tenso e a ansiedade anda deixando todo mundo cego, pense em introduzir dose homeopáticas de risada. A fralda de cocô caiu com o recheio virado pro chão: Ri! Seu marido lavou as roupas rosas com as brancas e agora todas são rosas: Ri! A visita deu doce na boca do seu bebê: RI não porque isso é muita sacanagem e "rir de tudo é desespero", que também é legitimo.
O humor não é uma fuga, mas pode ser uma arma imbatível para harmonizar as relações. Tente! E você, tem histórias engraçados para contar do puerpério?

Obs.: agradeço a minha mãe, Graça, fonte infindável de humor na nossa família.
Dedico este texto a minha doulanda Simone Bibiano, pois este texto surgiu de uma das nossas conversas.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Parir no Sofia é conviver com todo tipo de gente?

Estava eu, no patio do Hospital Sofia Feldmann, aguardando uma doulanda, quando entrou uma ambulância do sistema prisional com uma gestante. Pelo tamanho da barriga, devia estar no terceiro trimestre. Ao meu lado duas senhoras comentam: _"O que eu achei ruim da minha filha vir ganhar neném aqui é isso oh! Você é obrigado a conviver com todo tipo de gente."

Inúmeras vezes fui questionada sobre isso: "mas fica todo mundo junto?", " Tem portaria diferente pra quem tem convênio? ", " o Sofia é ótimo, ruim é o pessoal que frequenta", e por aí vai.

Eu poderia tratar deste assunto por vários vieses: social, racial, chamar as senhoras de coxinhas, lembrar que saúde é direito de todos, que o Sofia é referência na América Latina... Mas meu recorte é psicológico. Mesmo assim, não vou falar dos possíveis traumas causados a detenta pelos olhares de rejeição. Como Doula, meu foco é você que está gravida ou é parceiro/parceira de uma gestante e que começam a vislumbrar um local para o nascimento. Peço que leve em consideração esta questão: O que nossas atitudes ensinarão aos nosso filhos?

OK, você tem razão, o Sofia não tem lanchonete para toda família, não tem shopping ao lado, não tem janela com tela de plasma para assistirem ao parto, não distribui champanhe aos convidados do evento e se você parir no hospital dividira alojamento com mais três ou quatro mulheres, seus bebês e seus acompanhantes. Para você, parece muita gente? Então você me diz: _mas é um momento especial, único, temos direito a privacidade.

E eu te digo: _Não perca a oportunidade de aprender e evoluir em todos os momentos. Conviver com a diferença significa não só tolerar o outro mas também suportar a própria exposição. Ninguém quer mostrar suas próprias sombras. Revelar aos espectadores sua dificuldade na primeira pega da mamada, ter parido e continuar com a barriga, ter que discutir com sua mãe na frente de todos, porque não tem espaço para colocar a caixa de lembrancinhas. É a feiúra nossa de cada dia! Ou você queria só a beleza do parto? Queria né! Mas nada é só belo, nem nós, nem os outros, nem nenhuma situação. Fugir das incompletudes nos torna esvaziados de sentidos. Nós só buscamos  a luz por causa da sombra. Encare suas imperfeições projetadas nas diferenças alheias. As senhoras, do início do texto, me tocaram por que eu me identifiquei. O mesmo desprezo que sentiram pela detenta eu senti por elas. E no fundo somos mulheres e mães lutando pelo melhor para seus filhos, todas nós.

Fazer uso do espaço coletivo,  que é o Sofia, é um exercicio de cidadania, mas também de desapego a vaidade. seus visitantes não serão recebidos no luxo dos hospitais-hoteis, mas você pode aprender muito sobre compaixão,  despreso, amabilidade e rispidez. Tudo isso olhando apenas para si e percebendo quais reações as diferenças e as semelhanças humanas provocam a sua alma. Basta tentar! Aí sim, nossas atitudes dirão aos nossos filhos que nós não somos completos e ninguém o é, mas estamos aí, na luta por uma vida melhor da concepção até o fim.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Relato de Doulagem - VBAC Domiciliar com transferência Hospitalar

Diário de Sonho



A leitura desse relato ganha luz quando acompanhada da música abaixo:
Nando Reis - Muito Estranho - Clipe Oficial: https://www.youtube.com/watch?v=FwfC6GqH6cQ


Eu tenho um Uninho prata, 2011, desses bem populares, tipo Gremilins, a todo lado que se olha, vemos um igual. Além dessa características "sessão da tarde", ele tem atribuições transformers. Sim! O rádio do meu carro fala comigo. Ainda bem que psiquiatras não frequentam páginas de humanização. Enfim, num dia tava eu dirigindo, tocou uma música que amo: "Trem do desejo", cantado pela Maria Bethânia que amo mais ainda. Antes de acabar a música, meu celular tocou, era a Carol, minha parceira querida de Doulagem, que me falou com seu sotaque do sul: _ tu topas um parto domiciliar?
_Uai, respondo eu. Topo! O nosso primeiro PD.


Lá fomos nós pra casa da Cliente. Cris, Leandro e Vicente, o filho mais velho de três anos. Coincidentemente, como a Carol,  eles eram do sul, tinham profissões próximas e torciam pro Inter. Eu era a única representante da massa atelicana naquela sala. Cris, era professora universitária, bem informada e empoderada. Teve seu primeiro parto roubado pelo sistema em uma cesárea desnecessária, por bossa, com bolsa integra. Por isso, ela frequentou grupos de apoio, leu bastante sobre o tema, tinha os contatos, mas com 39 semanas ainda não tinha decidido se contrataria ou não uma doula.


Leandro estava super envolvido com a gestação e parto. Disposto a construir uma história diferente para Isadora, a bebê da vez.  Contou como estava atarefado com todos os ítens para o conforto da Cris e da equipe. Vicente é comunicativo, amoroso e mescla os dois sutaques deliciosamente. O encontro foi agradável,  mas saí de lá com duas dúvidas: Cris desejava mesmo uma doula e este parto seria de fato domiciliar?


Cheguei em casa cansada. Minha filha estava agitada, talvez por reflexo a minha agitação mental. Não quis mamar. Dormi junto com ela sem meditar. Dispertei num sonho. Estava no Sofia, em trabalho de parto, mas não conseguia parir. A enfermeira homeopata, (que é a própria representação da sabedoria feminina) em tom de autoridade, me falou: _ sai daqui! Se permanecer não vai conseguir parir. Acolhi o que ela disse, mesmo sem entender e fui para a casa das práticas integrativas. Estava acompanhada da minha Doula Kalu, não podia vê-la, apenas sentia sua energia e os cachos do seu cabelo sobre meus ombros.  Ali minha filha nasceu. Eu a peguei no colo e quando olhei para o seu rosto ela era a Cris.


Acordei assustada. O sonho foi tão real que eu podia sentir reflexos das contrações. Fui a cozinha, tomei água.
Quando voltei fui ver as horas e vi que tinha uma mensagem. Era da Kalu. Pedia ajuda no grupo de Doulas,  para ficar com uma gestante. Eu me propús, mas com a condição de um tempo reduzido, ridículo. tive medo, de dirigir "na noite escura"*, de deixar minha filha, enfim de sair da minha zona de conforto. Não fui capaz de escutar o que a enfermeira me disse: você só vai parir/ renascer/ doular quando se lançar no desconhecido.
Acordei menstruada, o que explicava as cólicas da noite, mas simbolicamente podia ser a natureza me mostrando que é cíclica e quem sabe na próxima lua eu tenha uma outra chance.
Exatamente sete depois a Cris me ligou confirmando a nossa contratação e pedindo uma visita. Não pensei que fosse tão rápido, mas dessa vez não perderia "o trem"*. Entendi que: quando "eu me perdi, foi que aprendi a brilhar"*.  Liguei para a Caroline e deixamos tudo acertado.
Três dias depois, Cris me ligou, em trabalho de parto na fase latente e pedia minha presença. Deixei meu marido  cuidando da minha filha e fui.


Cheguei às 23:20h à casa dela. Prestei a assistência possível, mas pouco efetiva. Praticamente não conversamos. Ela tentava se concentrar na dor, na posição, na respiração, na barriga... E a impressão era de dispersão por múltiplos focos. Tudo a retirava de si: a casa, as pessoas, os ruídos. Estava nítido que havia um excesso no ambiente interno e externo. Mas tudo estava sendo experimentado, então não havia o que descartar só o que acolher.


De madrugada a Míriam chegou. Calma e serena, iluminou a casa com sua paz. Trouxe mil malas, se certificou que tudo estava certo e para o meu espanto deitou e dormiu de roncar! Pensei: como ela consegue? Eu estava tão travada que não durmiria por nada. Às 9:00H, por recomendação da Miriam me recostei no sofá. Peço a Deus que não tenha acordado o Vicente com meus roncos. Aqui recebi outro ensinamento de uma Mãe Selvagem**: "cuide-se para cuidar!".


Saí da casa às 11:30h do outro dia. Morta! Minhas forças foram gastas nos meus investimentos também dispersos e na minha frustração do parto não ter ocorrido.


Dormi à tarde toda e a noite toda. Acordei com a mensagem da Carol me chamando para rendê-la novamente, o parto parecia estar distante. Liguei pra minha mãe pra ela ficar com minha filha e fui. Peguei um engarrafamento mostro e fiquei refletindo sobre meu cansaço. Conclui que eu apenas receberia o que o dia me apresentasse. liguei o Rádio e tocava "Cuida bem de mim". OK Uninho, entendi,  tudo o que eu não fiz no dia anterior foi cuidar de mim: não me alimentei direito, não descansei, não reapirei corretamente... Desperdissei minhas energias tentando ser constante e fui ausente de mim mesmo.


Chegando lá fui recebida por todos no portão. Cris tinha outro semblante. Perguntou sobre o meu parto e como ele foi conduzido. Respondi a tudo e com a acalmada das contrações sugeri um escalda pés. Tive a assistência fofa do Vicente. "Vou por maise, num tô sentindo cheiro de lavanda". Um doulinho!
Conversamos. A Míriam, chegou e completou o grupo terapêutico. Cris pode falar sobre suas expectativas, os estímulos da casa e seus medos. Foi um bom momento.


Fomos caminhar e ainda falando sobre parir em casa eu contei sobre o meu sonho. Pareceu importante me colocar um pouco mais como pessoa para que ela também se apresentasse um pouco mais. A mensagem do sonho fez sentido para ela também. Contei também que no dia da visita uma fala dela gritou no meu ouvido de psicóloga. Ela falou que a casa aonde moravam, naquele momento, nao era o imóvel que ela idealizava para o parto. Ela relembrou a frase e disse que estas observações a ajudaram a pensar melhor.
Fizemos uma visualização do nascimento e ela pôde descansar por um tempo junto com o Leandro.
Durante o dia foi acarinhada pela mãe, recebeu declarações de amor do Vicente e muito cuidado do marido.
A enfermeira Janaina, fez um rebozo na Cris e depois eu tive que fazer outro no Vicente. A Jana amorosamente falou sobre o modo de viver as contrações e deu dicas preciosas. E a Cris externalizou a dificuldade de gerenciar respiração, pensamentos, dor... Então sugeri:_ quem sabe não seria melhor não pensar em nada. Ela fez um expressão de perplexidade. Sim! Esvazie a mente!


À noite, por volta de 23:00h, as contrações, que até agora foram irregulares, se intensificaram. Leandro amarrou o sling na grade da janela e Cris podia puxá-lo quando vinham as dores. Depois de uma horas com o mesmo padrão acompanhei Cris até o chuveiro e pedi ao Leandro que ligasse para a Míriam. Ela veio acompanhada da Karina, enfermeira da sua equipe, super competente e com ótima didática para explicações. Achei que Isadora chegaria naquele momento. Mas... Não.


Pela manhã o trabalho de parto desengrenou. Foi feito um toque e estava com 4 cm de dilatação. Fui rendida pela Carol. Saí de lá às 7:00h da manhã do outro dia, tranquila e energizada, pois não me movi contra os fatos, apenas os acolhi. Cheguei em casa, dei de mamá e dormi duas horas abraçada com a minha filha.
No horário do almoço Carol mandou uma mensagem informando que eles estavam no Sofia e ela não poderia ficar por muito tempo.


Cheguei ao Sofia às 15:15h. Tinha um clima de tensão no ar. Havia uma marca na barriga da Cris. Começaram a investigar ruptura uterina, devido a cicatriz da cesárea anterior. Foi avaliada por dois GO's e fez ultrassom. Passou-se uma sonda de alívio e foi retirado uma quantidade expressiva de urina. Boa parte do anel se desfez. Ficamos mais tranquilos e ela se animou a se movimentar. Dançou com a Míriam, acocorou e comeu salada de frutas, tudo bem, até começar a sentir calor. Mediu-se a temperatura e o médico diagnosticou febre intra parto e prescreveu antibiótico. A Miriam sugeriu um banho e o casal foi para o chuveiro. Eu já estava sentindo vertigem de fome, me sentei para comer alguma coisa. Com uma mordida no pão de queijo escutei um grito do Marido pedindo ajuda. Era o primeiro puxo. Não deu tempo para o antibiótico.


Tentou a banqueta, não foi confortável, tentou o arco sobre a cama não foi aconchegante, mas não dava mais pra mudar, Isadora já coroava, embora Cris ainda quisesse experimentar outras posições.
Com 20 minutos de expulsivo, Cris pariu lindamente acocorada sobre a cama amparada pelo marido, às 18:30h de terça feira.
Olhei para eles, visão turva pelos olhos cheios de lágrimas e vi o alívio da Cris, o orgulho do Leandro e a contemplação afetuosa da Míriam.
No total foram 90 horas de doulagem, revezados entre Carol e eu e só depois do expulsivo pude entender melhor a Cris. Na minha interpretação ela era alguém a quem o saber formal era importante. Por isso, no seu primeiro parto entregou-se a tutela médica hospitalar. Onde culturalmente acreditamos  estar bem amparados. Mas não esteve. Na jornada desta gestação ela precisou inquerir todo saber: da enfermagem, da doula, dos médicos, mas principalmente o próprio saber. Desconstruir e reconstruir seus planos a partir da experiência. Para essa vivência "um dia foi pouco", foram precisos quatro dias. Por que cada um tem um tempo e dar prazo para elaborações psíquicas é desumano.  No parto não estão envolvidos apenas um útero, uma vagina e um bebê, mas sim uma mulher (com tudo que isso quer dizer e ainda não diz), uma criança e um ethos (modo de vida de um povo).
A todos que de algum modo ficaram sabendo do tempo total do trabalho de parto, seguiu-se imediatamente o comentário:_"Coitada!". Isso diz de nós. Retrata como almejamos uma vida súbita e indolor. Cris, você não tem nada de coitada, tão pouco de heroína, já que o oposto seria a face da mesma moeda. Acho que você é uma Mulher que, nesse tempo, pôde cuidar da sua criança interior e da bebê que gestava. E mesmo que pareça "muito estranho"***, você fez o melhor por seguir seu desejo, já que " ninguém vai dormir nossos sonhos"***. Viva o sonho de ser mãe da Isadora e do Vicente!


* Trem do desejo, Vanderlee
* * Mulheres que correm com os lobos
*** Cuida bem de mim, Dalton






Relato de Doulagem - Minha primeira Doulagem.


Parto Selvagem


Conheci a Vanessa pela lista de discussão do Parto Ativo. Eu me ofereci para assiati-la e a Caroline, colega de turma do curso de Doula, também. Combinamos um almoço após sua consulta de pré natal no Sofia para acertar como seria essa assistência.
A empatia foi instantânea! Vanessa é desse tipo de pessoa cativante que tem a capacidade de construir amizades de infância em poucas horas.
Ela estava com 37 semanas da primeira gravidez, diagnóstico de dibetes gestacional e insulinodependentes, desde então. Seu bebê já estava grande e por estes motivos, o médico prescreveu indução do parto no dia 08/08, completando 39 semanas. Mas seu sonho era entrar em trabalho de parto, sentir as contrações, vivenciar o rompimento da bolsa e poder parir seu filho da forma mais natural possível.
Conversamos com a enfermeira obstetra Raquel que reinterou as indicações do médico e se prontificou a fazer um descolamento de placenta na tentativa de estimular o trabalho de parto. O que foi feito de forma parcial e sem sucesso em seu objetivo final.
Duas semanas se passaram e apesar de apresentar 3 cm de dilatação nenhum outro sinal se apresentou. Carol e eu fomos acompanhado esse processo virtualmente.
Sem iniciar os trabalhos de forma natural, seguiu-se o plano da indução com mizo agendada para a sexta. Como a Carol tinha uma viagem para o sábado ela ficou de backup. Vanessa preferiu não acrescentar outra Doula à cena.
Outra baixa no pelotão do parto foi a Natália, irmã da Vanessa, que iria tirar as fotos e se acidentou dias antes. Nada grave, mas foi tirada de combate. Sendo assim, seguimos para o hospital: Vanessa, Fábio (o pai) e eu (a doula).
Chá de cadeira na triagem do Sofia até a chegada da Eliane, enfermeira e mãe da Raquel, que agilizou a internação. Admitida pela Enfermeira Priscila que fez o toque, 3 para 4cm e o cardiotoco. Ministrou 1 comprimido de mizo que requer uma hora de repouso. Daí em diante todo encontro que tivemos foi pedagógico pra mim e abençoado para o casal.
Uma senhora bateu na porta, entrou discretamente e se identificou como Terezinha, mostrou orgulhosa o crachá de Doula, funcionária do hospital. Fui até ela, disse que também era doula. Ela disse que sairia.
_ Não, fique. Conta do seu trabalho. Ela falou da recente contratação, lembrou dos próprios partos e dos 19 anos de trabalhos voluntários na maternidade. Ela era a voz da experiência em pessoa. Grudei nela. Rsrs Ela nos abençoou e foi para outro quarto.
Em pouco tempo chegou outra doula do hospital, Dona Maza. Alegre, despachada, neta e filha de parteiras. Contou que a contratação foi um empoderamento vindo de outra mulher: _" A Dilma mandou e eles tiveram que contratar nós ".
Vanessa dormiu, sai do quarto e encontrei minhas colegas do lado de fora. Dona Maza veio me falar: _"Oh minha filha, vou te falar uma coisa porque você é nova mais num é dessas que acham que sabe tudo. Essa moça, pelo que eu vi lá, tem tudo pra ir pra cesárea. Você tem que por nela o espírito de luta."
Eu mais que depressa pedi umas dicas. Ela levantou da cadeira e foi me mostrar.
_"você leva ela pro chuveiro, faz ela abaixar (e abaixou) e levantar (e levantou na mesma velocidade) e rebolar (e rebelou). Repetiu a fala e os movimentos mais três vezes. Enquanto memorizava as dicas não podia parar de pensar que se fosse eu não subiria na primeira abaixada. Falou ainda sobre empoderamento feminino, direitos reprodutivos e doulagem. Dona Maza é Girl Power pra C****.
Fomos para as Práticas Integrativas. Quem nos atendeu foi a fofa da Cleuza que não só fez o trabalho dela com muito carinho como me ensinou a fazer o sal de rosas para o escalda pés, a massagear pontos importantes do pé para o trabalho de parto e ainda me incentivou nesse novo trabalho.
Saímos de lá com as primeiras contrações.
De volta ao hospital, fomos trocados de quarto para adequação ao plano de parto que pedia uma banheira. Coincidentemente fomos para o mesmo quarto onde eu pari. A suite máster do Sofia, como disse a Vanessa.
A parturiente permanecia serena, com a mesma cara linda e sorridente. O marido doulo, estava tão disposto quanto eu a turbinar os trabalhos.
Seguiu-se chuveiro, bola, exercícios, caminhada, agachamento.
Novo exame. Quatro para cinco centímetros de dilatação e contrações irregulares. Segundo comprimido de mizo. Mais uma hora de repouso.
Chegou a hora do jantar. Subimos as escadas e a Vanessa queixou dor pela primeira vez.
Voltamos para o quarto e de novo chuveiro. Sugeri ao Fabio que entrasse com ela. assendi algumas velas de vanila, música clássica e luz baixa. Os dois estavam em perfeita harmonia. Deixei-os. Nestes momentos podemos perceber que a dor não é protagonista. Ela é veículo. Transporta o que temos no coração. No caso deles ela carregou muito amor!
Procurei me manter focada nela, nas suas necessidades. Água, toalha, prendedor de cabelo, comida, calor, frio...
Como a gente esquece da própria fome quando foca na fome do outro. E ela agora tinha fome de Lorenzo. Desejava o filho logo. Seu marido a lembrava sempre:_"pensa nas bochechinhas dele, Amor".
Troca de plantão. Ficamos tensos pensando em quem nos assistiria e abre a porta uma amiga antiga da Vanessa, a qual não via há mais de 10 anos. Enfermeira do plantão. Fernanda, delicada e serena na décima potência.
Sem progressão, Fernanda rompeu a bolsa. As dores se intensificaram. Contrações ritmadas. Enfim o trabalho de parto engrenou e a ocitocina sintética não foi necessária.
Durante todo o tempo, mais agora ainda mais, Fábio foi seu incentivador e tudo com ótimo humor. Vanessa queixava do Ciático e ele queria pesquisar no google quem era esse moço. E por aí vai...
Foi para a banheira,  mas as dores a incomodaram. Pediu analgesia. Mas não falou a senha (Selvagem. Com letra maiúscula, pois se trata de um nome próprio. A cachorrinha do casal. Um barato, ne).
A ENF residente tentou alertar para os malefícios da analgesia, mas ela nem ouviu. Disse que não dava mais e foi acolhida. Mas, como o universo conspira a favor, nesse momento três partos em fase de expulsivo não permitiram executar o procedimento naquela hora. Avaliada para analgesia, 8 cm de dilatação! Obaaa!
Isso me deu esperança!
Indo para a sala de anestesia pedi a Deus que mandasse o melhor. Chegando lá nova conversa com a enfermeira que alertou para o risco de se mover durante o procedimento. Ela disse que não conseguiria ficar parada. Eu olhei bem pra ela e perguntei: tem certeza que você quer isso? Ela ficou me olhando com uma cara que parecia dizer: Pqp! Que furada que você me meteu! Eu respondi. Você não falou a senha!
Para me salvar de possíveis arremessos, a Enfermeira Raquel chegou. Ufa. Todos falamos frases de incentivo e ela decidiu tentar mais um pouco, recusando a medicação.
Ao retornar para o quarto ela se modificou. Vanessa intuiu que as contrações haviam se modificado, não eram mais a dor que a abria, agora eram uma pressão. Assim, sua forma frágil deu lugar a uma postura imponente. Dirigiu a cena. Comandou a todos nós. Dizia como queria ser amparada, onde e quando se sentar, o que desejava ver e ouvir. Era a única protagonista do seu parto.
Durante as contrações ugia como uma leoa, passava a mão vigorosamente sobre a barriga e pedia que o filho viesse. Percorria o quarto todo com os olhos fechados, em transe. Pensei: isso sim é espírito de luta. Selvagem! Dona Maza tinha razão, é assim que se pare.
2:39 da madrugada ela se sentou no banco de parto, recostada no marido. Em frente estava a EO Raquel e eu, segurando o livro de sua filosofia, com a foto do grão mestre.
Por vezes o Fábio olhou pra mim angustiado querendo notícias. Por vezes ela chorou por medo de não conseguir, por vezes eu tensionei o pescoço de ansiedade. E a Raquel? A mesma cara de tranquilidade. Rsrsrs
Às 4:13 horas da manhã chegou a esse mundo o Lorenzo. Coberto de verniz, rosa, lindo e enorme. Cheio de vitalidade foi direito para o colo da mãe, de onde só saiu horas depois para ser pesado. Ao vê-lo tão bem, sabia que isso se dava a forma respeitosa como tinha sido parido. Bebês de mães diabéticas quase nunca tem a oportunidade de nascerem assim. Ainda mais sem analgesia e ocitocina. Foi uma conquista e tanto daquela família.
Fiquei com eles até serem instalados no quarto e a amamentação estar fluindo bem.
Cheguei em casa ás 7:30 de sábado, 24 horas depois. Entrei no apartamento e encontrei tudo arrumado, filha bem cuidada e marido querendo saber da minha experiência.
Fui me deitar. Rezei, chorei, sorri e fui dormir com a certeza de que tinha encontrado mais um pilar da minha missão na terra. Agora eu sei que vim aqui para ser esposa do Daniel, mãe da Isabelle, Psicóloga e Doula.

Minha gratidão a esse casal por terem permitido que eu participasse desse momento.
A todos que encontrei neste dia e trouxeram ensinamentos tão preciosos, o meu muito obrigada.
A Minha família que cuidou da Bebelle para eu poder trabalhar, o meu amor mais profundo.

Ao Ishitar e suas mulheres, Rebeca, Carol, kalu e Polly, obrigada pelo curso de Doula e pela inspiração. Colegas de turma, recebi toda a vibração de vocês.