quarta-feira, 6 de maio de 2015

Amar é dar aquilo que não se tem...

Eu sempre fui uma pessoa apegada as roupas, as bolsas, aos sapatos, mas sobretudo as pessoas. Não era de me relacionar com muita gente, de modo profundo, apenas poucos amigos e os familiares mais próximos. Esses amores eram cultivados com afinco e ciúmes. Pra resumir, se eu pudesse os colocava dentro de mim, para não perdê-los para a vida e principalmente para a morte.

Agora imaginem vocês, como foi para mim, ter o ser que mais amor me despertou, literalmente criado e gestado no meu interior. Na consciência eu tinha o discurso pronto de que filhos se cria para o mundo, mas lá no fundo eu sabia que não era bem assim. Uma vez fora de mim todos iriam tocá-la, sentir seus movimentos, escutar seu choro... Por isso, mesmo sabendo que ela precisava nascer eu relutei.

Em psicanálise, existe uma frase célebre do discípulo de Freud, Lacan, pela qual já foram feitas teses inteiras de doutorado: "Amar é dar aquilo que não se tem". Parece uma locução estranha como tantas outras deste autor. Quando se estuda a disciplina até se encontra lógica, contudo a compreensão íntima do que isso quer dizer, só alcancei com a vivência da maternidade. Precisou a Bebelle chegar para que eu assimilasse o que ele queria dizer com isso. (Se é que eu entendi mesmo, se tiver psicanalista lendo, desculpe aí)

Para que minha filha vivesse eu precisei liberá-la. Fiz o exercício de destravar meu corpo, para que em fim, ela pudesse deixá-lo. E por mais que eu pedisse uma cesárea, eu sabia que quem deveria realizar essa tarefa era o meu corpo. Foi ele quem a acolheu, a sustentou, a alimentou... E seria o meu corpo que sentiria a falta do seu peso, dos seus chutes. Então cabia a ele construir o desapego necessário para que ela chegasse ao mundo e fosse viver a sua vida. Porque "amar é dar aquilo que não se tem". Para realizar essa manobra é preciso se reconhecer incompleta, faltosa, inacabada e a partir desse buraco criar algo novo pra você e para o outro, mesmo que este outro nem saiba do que se trata, afinal, o restante da frase é: "Amar é dar aquilo que não se tem, PARA QUEM NÃO QUER".

Ficou ainda mais confuso? Normal, na faculdade se diz que se Freud explica, Lacan complica. Fato é que eu sou outra hoje. As bolsas que uso são infantis, os sapatos que compro são tamanhot 21... Nada no mundo material me prende mais. Passei de poucos a muitos amigos, alguns nunca vi pessoalmente, outros são companheiras do yoga, amigos dos meus amigos, familiares do meu marido, leitoras do blog, mulheres que me procuram pedindo ajuda sobre parto, sobre amamentação...  Tirei meus amores do útero e os coloquei em redes. Hoje somos muitos, cada vez mais conectados e eu me sinto amada como nunca. É maravilhoso perceber que o amor existe para além do nosso controle.

Então, você, mãe de primeira viagem que se vê plena neste barrigão, acolha suas faltas, suas falhas, importe-se menos com o ideal da mãe perfeita, pois só a partir das nossas imperfeições podemos nos fazer novas denovo. Assim vocês perceberão que ao vivermos  o amor de forma desapegada não se perde, se enlaça.