segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Relato de Doulagem - Minha primeira Doulagem.


Parto Selvagem


Conheci a Vanessa pela lista de discussão do Parto Ativo. Eu me ofereci para assiati-la e a Caroline, colega de turma do curso de Doula, também. Combinamos um almoço após sua consulta de pré natal no Sofia para acertar como seria essa assistência.
A empatia foi instantânea! Vanessa é desse tipo de pessoa cativante que tem a capacidade de construir amizades de infância em poucas horas.
Ela estava com 37 semanas da primeira gravidez, diagnóstico de dibetes gestacional e insulinodependentes, desde então. Seu bebê já estava grande e por estes motivos, o médico prescreveu indução do parto no dia 08/08, completando 39 semanas. Mas seu sonho era entrar em trabalho de parto, sentir as contrações, vivenciar o rompimento da bolsa e poder parir seu filho da forma mais natural possível.
Conversamos com a enfermeira obstetra Raquel que reinterou as indicações do médico e se prontificou a fazer um descolamento de placenta na tentativa de estimular o trabalho de parto. O que foi feito de forma parcial e sem sucesso em seu objetivo final.
Duas semanas se passaram e apesar de apresentar 3 cm de dilatação nenhum outro sinal se apresentou. Carol e eu fomos acompanhado esse processo virtualmente.
Sem iniciar os trabalhos de forma natural, seguiu-se o plano da indução com mizo agendada para a sexta. Como a Carol tinha uma viagem para o sábado ela ficou de backup. Vanessa preferiu não acrescentar outra Doula à cena.
Outra baixa no pelotão do parto foi a Natália, irmã da Vanessa, que iria tirar as fotos e se acidentou dias antes. Nada grave, mas foi tirada de combate. Sendo assim, seguimos para o hospital: Vanessa, Fábio (o pai) e eu (a doula).
Chá de cadeira na triagem do Sofia até a chegada da Eliane, enfermeira e mãe da Raquel, que agilizou a internação. Admitida pela Enfermeira Priscila que fez o toque, 3 para 4cm e o cardiotoco. Ministrou 1 comprimido de mizo que requer uma hora de repouso. Daí em diante todo encontro que tivemos foi pedagógico pra mim e abençoado para o casal.
Uma senhora bateu na porta, entrou discretamente e se identificou como Terezinha, mostrou orgulhosa o crachá de Doula, funcionária do hospital. Fui até ela, disse que também era doula. Ela disse que sairia.
_ Não, fique. Conta do seu trabalho. Ela falou da recente contratação, lembrou dos próprios partos e dos 19 anos de trabalhos voluntários na maternidade. Ela era a voz da experiência em pessoa. Grudei nela. Rsrs Ela nos abençoou e foi para outro quarto.
Em pouco tempo chegou outra doula do hospital, Dona Maza. Alegre, despachada, neta e filha de parteiras. Contou que a contratação foi um empoderamento vindo de outra mulher: _" A Dilma mandou e eles tiveram que contratar nós ".
Vanessa dormiu, sai do quarto e encontrei minhas colegas do lado de fora. Dona Maza veio me falar: _"Oh minha filha, vou te falar uma coisa porque você é nova mais num é dessas que acham que sabe tudo. Essa moça, pelo que eu vi lá, tem tudo pra ir pra cesárea. Você tem que por nela o espírito de luta."
Eu mais que depressa pedi umas dicas. Ela levantou da cadeira e foi me mostrar.
_"você leva ela pro chuveiro, faz ela abaixar (e abaixou) e levantar (e levantou na mesma velocidade) e rebolar (e rebelou). Repetiu a fala e os movimentos mais três vezes. Enquanto memorizava as dicas não podia parar de pensar que se fosse eu não subiria na primeira abaixada. Falou ainda sobre empoderamento feminino, direitos reprodutivos e doulagem. Dona Maza é Girl Power pra C****.
Fomos para as Práticas Integrativas. Quem nos atendeu foi a fofa da Cleuza que não só fez o trabalho dela com muito carinho como me ensinou a fazer o sal de rosas para o escalda pés, a massagear pontos importantes do pé para o trabalho de parto e ainda me incentivou nesse novo trabalho.
Saímos de lá com as primeiras contrações.
De volta ao hospital, fomos trocados de quarto para adequação ao plano de parto que pedia uma banheira. Coincidentemente fomos para o mesmo quarto onde eu pari. A suite máster do Sofia, como disse a Vanessa.
A parturiente permanecia serena, com a mesma cara linda e sorridente. O marido doulo, estava tão disposto quanto eu a turbinar os trabalhos.
Seguiu-se chuveiro, bola, exercícios, caminhada, agachamento.
Novo exame. Quatro para cinco centímetros de dilatação e contrações irregulares. Segundo comprimido de mizo. Mais uma hora de repouso.
Chegou a hora do jantar. Subimos as escadas e a Vanessa queixou dor pela primeira vez.
Voltamos para o quarto e de novo chuveiro. Sugeri ao Fabio que entrasse com ela. assendi algumas velas de vanila, música clássica e luz baixa. Os dois estavam em perfeita harmonia. Deixei-os. Nestes momentos podemos perceber que a dor não é protagonista. Ela é veículo. Transporta o que temos no coração. No caso deles ela carregou muito amor!
Procurei me manter focada nela, nas suas necessidades. Água, toalha, prendedor de cabelo, comida, calor, frio...
Como a gente esquece da própria fome quando foca na fome do outro. E ela agora tinha fome de Lorenzo. Desejava o filho logo. Seu marido a lembrava sempre:_"pensa nas bochechinhas dele, Amor".
Troca de plantão. Ficamos tensos pensando em quem nos assistiria e abre a porta uma amiga antiga da Vanessa, a qual não via há mais de 10 anos. Enfermeira do plantão. Fernanda, delicada e serena na décima potência.
Sem progressão, Fernanda rompeu a bolsa. As dores se intensificaram. Contrações ritmadas. Enfim o trabalho de parto engrenou e a ocitocina sintética não foi necessária.
Durante todo o tempo, mais agora ainda mais, Fábio foi seu incentivador e tudo com ótimo humor. Vanessa queixava do Ciático e ele queria pesquisar no google quem era esse moço. E por aí vai...
Foi para a banheira,  mas as dores a incomodaram. Pediu analgesia. Mas não falou a senha (Selvagem. Com letra maiúscula, pois se trata de um nome próprio. A cachorrinha do casal. Um barato, ne).
A ENF residente tentou alertar para os malefícios da analgesia, mas ela nem ouviu. Disse que não dava mais e foi acolhida. Mas, como o universo conspira a favor, nesse momento três partos em fase de expulsivo não permitiram executar o procedimento naquela hora. Avaliada para analgesia, 8 cm de dilatação! Obaaa!
Isso me deu esperança!
Indo para a sala de anestesia pedi a Deus que mandasse o melhor. Chegando lá nova conversa com a enfermeira que alertou para o risco de se mover durante o procedimento. Ela disse que não conseguiria ficar parada. Eu olhei bem pra ela e perguntei: tem certeza que você quer isso? Ela ficou me olhando com uma cara que parecia dizer: Pqp! Que furada que você me meteu! Eu respondi. Você não falou a senha!
Para me salvar de possíveis arremessos, a Enfermeira Raquel chegou. Ufa. Todos falamos frases de incentivo e ela decidiu tentar mais um pouco, recusando a medicação.
Ao retornar para o quarto ela se modificou. Vanessa intuiu que as contrações haviam se modificado, não eram mais a dor que a abria, agora eram uma pressão. Assim, sua forma frágil deu lugar a uma postura imponente. Dirigiu a cena. Comandou a todos nós. Dizia como queria ser amparada, onde e quando se sentar, o que desejava ver e ouvir. Era a única protagonista do seu parto.
Durante as contrações ugia como uma leoa, passava a mão vigorosamente sobre a barriga e pedia que o filho viesse. Percorria o quarto todo com os olhos fechados, em transe. Pensei: isso sim é espírito de luta. Selvagem! Dona Maza tinha razão, é assim que se pare.
2:39 da madrugada ela se sentou no banco de parto, recostada no marido. Em frente estava a EO Raquel e eu, segurando o livro de sua filosofia, com a foto do grão mestre.
Por vezes o Fábio olhou pra mim angustiado querendo notícias. Por vezes ela chorou por medo de não conseguir, por vezes eu tensionei o pescoço de ansiedade. E a Raquel? A mesma cara de tranquilidade. Rsrsrs
Às 4:13 horas da manhã chegou a esse mundo o Lorenzo. Coberto de verniz, rosa, lindo e enorme. Cheio de vitalidade foi direito para o colo da mãe, de onde só saiu horas depois para ser pesado. Ao vê-lo tão bem, sabia que isso se dava a forma respeitosa como tinha sido parido. Bebês de mães diabéticas quase nunca tem a oportunidade de nascerem assim. Ainda mais sem analgesia e ocitocina. Foi uma conquista e tanto daquela família.
Fiquei com eles até serem instalados no quarto e a amamentação estar fluindo bem.
Cheguei em casa ás 7:30 de sábado, 24 horas depois. Entrei no apartamento e encontrei tudo arrumado, filha bem cuidada e marido querendo saber da minha experiência.
Fui me deitar. Rezei, chorei, sorri e fui dormir com a certeza de que tinha encontrado mais um pilar da minha missão na terra. Agora eu sei que vim aqui para ser esposa do Daniel, mãe da Isabelle, Psicóloga e Doula.

Minha gratidão a esse casal por terem permitido que eu participasse desse momento.
A todos que encontrei neste dia e trouxeram ensinamentos tão preciosos, o meu muito obrigada.
A Minha família que cuidou da Bebelle para eu poder trabalhar, o meu amor mais profundo.

Ao Ishitar e suas mulheres, Rebeca, Carol, kalu e Polly, obrigada pelo curso de Doula e pela inspiração. Colegas de turma, recebi toda a vibração de vocês.

Um comentário:

  1. Já li esse relato várias vezes, mas agora é diferente, estou exatamente c 37s da Helena, e pude sentir através das suas palavras, forte encorajamento para fazer a minha filha vir ao mundo. Gratidão é a palavra mais adequada pra demonstrar o quanto estou feliz e segura por ter vc ao nosso lado! 💓

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