quarta-feira, 6 de maio de 2015

Amar é dar aquilo que não se tem...

Eu sempre fui uma pessoa apegada as roupas, as bolsas, aos sapatos, mas sobretudo as pessoas. Não era de me relacionar com muita gente, de modo profundo, apenas poucos amigos e os familiares mais próximos. Esses amores eram cultivados com afinco e ciúmes. Pra resumir, se eu pudesse os colocava dentro de mim, para não perdê-los para a vida e principalmente para a morte.

Agora imaginem vocês, como foi para mim, ter o ser que mais amor me despertou, literalmente criado e gestado no meu interior. Na consciência eu tinha o discurso pronto de que filhos se cria para o mundo, mas lá no fundo eu sabia que não era bem assim. Uma vez fora de mim todos iriam tocá-la, sentir seus movimentos, escutar seu choro... Por isso, mesmo sabendo que ela precisava nascer eu relutei.

Em psicanálise, existe uma frase célebre do discípulo de Freud, Lacan, pela qual já foram feitas teses inteiras de doutorado: "Amar é dar aquilo que não se tem". Parece uma locução estranha como tantas outras deste autor. Quando se estuda a disciplina até se encontra lógica, contudo a compreensão íntima do que isso quer dizer, só alcancei com a vivência da maternidade. Precisou a Bebelle chegar para que eu assimilasse o que ele queria dizer com isso. (Se é que eu entendi mesmo, se tiver psicanalista lendo, desculpe aí)

Para que minha filha vivesse eu precisei liberá-la. Fiz o exercício de destravar meu corpo, para que em fim, ela pudesse deixá-lo. E por mais que eu pedisse uma cesárea, eu sabia que quem deveria realizar essa tarefa era o meu corpo. Foi ele quem a acolheu, a sustentou, a alimentou... E seria o meu corpo que sentiria a falta do seu peso, dos seus chutes. Então cabia a ele construir o desapego necessário para que ela chegasse ao mundo e fosse viver a sua vida. Porque "amar é dar aquilo que não se tem". Para realizar essa manobra é preciso se reconhecer incompleta, faltosa, inacabada e a partir desse buraco criar algo novo pra você e para o outro, mesmo que este outro nem saiba do que se trata, afinal, o restante da frase é: "Amar é dar aquilo que não se tem, PARA QUEM NÃO QUER".

Ficou ainda mais confuso? Normal, na faculdade se diz que se Freud explica, Lacan complica. Fato é que eu sou outra hoje. As bolsas que uso são infantis, os sapatos que compro são tamanhot 21... Nada no mundo material me prende mais. Passei de poucos a muitos amigos, alguns nunca vi pessoalmente, outros são companheiras do yoga, amigos dos meus amigos, familiares do meu marido, leitoras do blog, mulheres que me procuram pedindo ajuda sobre parto, sobre amamentação...  Tirei meus amores do útero e os coloquei em redes. Hoje somos muitos, cada vez mais conectados e eu me sinto amada como nunca. É maravilhoso perceber que o amor existe para além do nosso controle.

Então, você, mãe de primeira viagem que se vê plena neste barrigão, acolha suas faltas, suas falhas, importe-se menos com o ideal da mãe perfeita, pois só a partir das nossas imperfeições podemos nos fazer novas denovo. Assim vocês perceberão que ao vivermos  o amor de forma desapegada não se perde, se enlaça.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Relato do meu primeiro Parto e Nascimento da Isabelle


Sugiro que a leitura seja acompanhada desta música:
https://www.youtube.com/watch?v=IwDazs5ScCA

Eu me formei Psicóloga na PUC. Durante todo o curso me dediquei quase exclusivamente a psicologia hospitalar, li todos os livros, fiz todos os estágios que pude e no final fiquei quase um ano desempregada. Quando eu já tava pensando em aceitar um emprego em RH (desespero total) eu fui contratada num hospital geral.

Meu tema favorito sempre foi a assistência a pacientes terminais e suas famílias. No hospital me dediquei a esse público com carinho e afinco pois um dia, quando eu era acompanhante em um episódio de perda, não tive a oportunidade de ter atendimento psicológico, então a cada caso que eu atendia era como se o fizesse pela minha família da adolescência.

Em todas as vezes em que presenciei meus pacientes deixando essa vida, concluí que morrer pode ser mais bonito até do que nascer. Dependendo da perspectiva do doente, morrer é um retorno para casa, é uma libertação de um corpo limitado e adoecido. Observei também desenlaces sofridos e sempre associados ao apego as paixões deste mundo. Certa vez deu entrada no hospital uma senhora que era líder de uma comunidade religiosa, cercada de mulheres do mesmo coletivo, fui convida por elas a participar da cerimônia para seus últimos minutos aqui na terra. Só mulheres podiam estar presentes. Elas entoavam um canto sofrido e lindo enquanto a senhora suavemente fazia sua transição deste mundo para a transcendência. Aquilo não foi morrer, foi renascer. Minha gratidão a tudo que vi e aprendi neste trabalho.

Claro que nem sempre foi fácil, todo dia era uma luta. A morte foi institucionalizada, logo deveria se adequar ao protocolo clínico. Os familiares não podiam chorar na presença do doente, não podiam chorar alto quando ele falecia, enfim, não podiam chora. O paciente não era acolhido quando expressava suas angústias e a equipe jamais deveria se envolver com os casos, neutralidade era a conduta esperada e é assim em quase todas as instituições de saúde. Um exemplo didático: se o paciente pergunta a fisio se ele vai morrer ela diz: _ Não tenho capacidade técnica pra responder, melhor o senhor perguntar ao médico. Como o médico só vem no final do dia e por pouco tempo, ele pergunta a enfermeira que o abraça e faz um Buscopam na veia, mas sai sem nada dizer e chora no banheiro. Chega o médico e o paciente está dormindo. Mas como ele ficou sabendo do caso, deixa uma interconsulta solicitando atendimento da psicologia, afinal quem ouve somos nós. E assim segue o sistema.

Eu até ali lidava bem com os dois locus, tanto o da terminalidade como com o institucional. Mediava equipe e pacientes tranquilamente. Hoje eu vejo que eu tentava ser aquele profissional polivalente que atendia a todos os lados sem se colocar em lado nenhum. Por que: "Quando já não tinha espaço pequena fui, Onde a vida me cabia apertada, Em um canto qualquer acomodei" (Maria Gadú, Quando fui chuva)

Logo que engravidei toda a minha base teórica, prática e de análise pessoal não foram suficientes para me sustentar. As histórias dos pacientes me impactavam mais, eu não mais me recolhia diante dos impasses da clínica e passei a enfatizar meu posicionamento filosófico sobre a conduta. Lembro de uma amiga enfermeira, Luciana, com quem vivenciei experiências lindas, me dizendo que eu estava irreconhecível, que eu era outra pessoa. Ela estava certa.

Eu não planejei engravidar. Tinha cinco meses de casada e fazia planos para ser mãe em cinco anos. Mas o bebê já estava lá. Eu mal me acostumava a vida de casada e já tinha alguém morando em mim. Eu demorei quatro meses pra descobrir a gravidez, meu endócrino já me avisara que eu não engravidaria sem um tratamento longo. Os primeiros sintomas foram interpretados por mim como o início de uma depressão. A vida pessoal e profissional dava sinais de que algo estava fora do lugar, eu não sabia o que era, por isso uma fadiga tomava conta de mim, eu chorava a noite toda, não dormia e comia doce de pêssego no jantar com pizza de sobremesa. Era depressão.

Quando um palito de teste vagabundo me disse que eu tava grávida tudo fez sentido. Eu não estava adoecida, eu estava renascendo. Tudo girou, todas as minhas lagrimas tinha uma razão, eu me limpava, "lavava os sonhos e as calçadas" (Maria Gadú)

Com oito meses de gestação fui atender uma menina de sete anos que veio visitar o avô com câncer terminal. Provavelmente aquela seria a última vez que ela o viria nesta vida. Seria mais uma de tantas outras visitas infantis. Mas não foi assim. Perguntei se ela sabia o que o avô tinha, ela disse que sim, era câncer. Indaguei o que ela conhecia disto e a menina, fofa grau 10, me disse chorando que o câncer era uma doença que tirava as pessoas que amávamos e as devolvia a Deus. Chorei. (Uai, Psicólogo chora?) Não havia o que dizer. Nunca tinha ouvido descrição mais acertada. Não pude presenciar a visita de fato, como sempre fazia. Mesmo ciente da importância daquele momento para o trabalho de luto posterior eu não podia estar lá.

Com nove meses fui atender uma paciente que teve um surto psicótico após complicações em uma cirurgia. O delírio dela era estar grávida de uma menina. Atendi a ela e seus familiares por algumas semanas. Ela já estava estável psíquica e fisicamente quando a atendi pela última vez. No dia seguinte recebi a notícia do seu óbito. A família me relatou que a última coisa que ela pediu foi que trouxessem um presente a minha filha. Eu não sabia, mas aquele era um presente para o meu futuro. Era uma notícia de que a vida e a morte tem vários lados, várias perspectivas e que eu precisava me posicionar.

Paralelo ao trabalho formal eu embarquei numa pesquisa pra saber como seria o meu parto. Quando comentei sobre isso com alguns colegas todos me indicavam obstetras ótimos que faziam cesárea nos melhores hospitais da cidades. Ao mencionar que estava cogitando dar a luz no Sofia o susto e a revolta eram generalizadas: "Você não tem convênio? ", "Parto normal é para pobre!", " Aquilo é açougue! ". Calma gente eu tenho o convênio "fulano de tal", mas estou conhecendo minhas possibilidades. Eu podia dizer: O parto é meu e quem vai decidir sobre isso sou eu! Mas não eu precisava entender, acolher, manejar...

" Que isso! Seu convênio é o melhor que existe, os médicos vão amar te atender". Mas e eu, vou amar ser atendida por eles?

Minha irmã tem uma grande amiga que a sua irmã era enfermeira no Sofia, a Raquel. Ela me atendeu para o pré natal e eu o fiz conjugado com a médica do convênio. Uai menina, fez dois acompanhamentos? Fiz, porque eu precisava da "segurança" que só um médico tradicional poderia me dar. Era importante me assegurar que tudo tava controlado.

A cada consulta fui conhecendo a filosofia do Sofia, a forma de trabalhar, o modo como o processo do parto era amparado e tudo isso me fez refletir sobre a assistência da saúde geral, tudo me fazia lembra a minha rotina, meu pré natal foi uma visita técnica. Óbvio que o Sofia tem suas questões. Mas há naquele lugar um ethos, um jeito diferenciado de fazer as coisa. Tal observação me sacudiu, fazendo com que eu recalculasse minha rota.

Lá pelas 37 semanas a médica do convênio, que era super a favor do parto normal, começou a ver alguns problemas na minha gestação, até então perfeita. Vejam só vocês que coisa grave (isso é ironia), meu colo encontrava-se grosso, duro, sem dilatação e eu não apresentava nenhum sintoma de trabalho de parto. Talvez fosse necessário uma cesárea. Mas não havida nada com o que se preocupar, afinal de contas meu plano de saúde era ótimo. Ela só não contava que o meu plano de parto era melhor ainda. Essa foi a última consulta que eu fui.

Decidida a parir no Sofia, não quis doula nem fotos muito menos filmagens. Meu marido e eu fizemos sozinhos iriamos parir sozinhos. Três dias de prodomos, Já tinha feito escalda pés, ventosa, acumpultura, tomado mil litros de chás e feito escalda pés. Nada da menina nascer. Cheguei no PA com a certeza de que ela tava na portinha e a Raquel me dá a notícia de dois centímetros de dilatação. Eu estava há horas com contrações dolorosas de cinco em cinco. Mais um pouco de espera e em fim fui internada. Só nós dois, Dani e eu, cansados, sem dormir, sem nos alimentar, fadigados de ouvir meus gemidos de dor. Estávamos tensos, felizes de ver nossa Preta pela primeira vez. Essa era a nossa grande empreitada como marido e mulher e tudo parecia solene demais. Tinha o peso da vida fisiológica, mas tinha também a vida familiar que se formava. Tudo incerto e intenso.

Raquel sugeriu que eu fosse para a banheira o que eu logo aceitei pois na minha idealização tão logo eu adentrasse meu bebê sairia, tal e qual se dava nos vídeos de parto que eu assistia. Não foi assim. Daniel foi ao refeitório buscar comida e Raquel foi ao posto de enfermagem. Fiquei sozinha na banheira, a meia luz. Passei a mão sobre a barriga gigantesca e pedi a Deus na mais profunda das minhas orações: _ Senhor, enche este quarto de anjos, sozinha eu não vou conseguir. Neste momento eu senti a presença mais acolhedora e reconfortante, seguido de um barulho. A bolsa estourou. Pensei: _Obrigada Senhor, agora nasce! Nasce nada. A dor veio galopante. Eu me revirava na banheira, não tinha mais posição, tudo era doloroso. Beleza, eu entendi que não tô sozinha, mas esse anjo aí não alivia a dor não?!

_ Agora você tem que sair da banheira pra eu fazer um toque.
_ O que? Nem fudendo. Mas já deve ta nascendo mesmo, vai ser o último.
_ Quatro centímetros de dilatação!
_ Em?
Mostrou com os dedos, 4.
Vontade de sumir do mundo. _Oh Raquel, vamos botar uma ocitocina aí, porque eu não aguento mais. Ela me enrolou até eu não deixar mais escapatória. Ela sabia que depois disso,  aí sim ia doer. E doeu, viu. Pedi cesárea, pedi pra ir embora, pra tirar a dor, pra morrer... Recebi a analgesia.
_Que que isso gente. Porque não fez isso antes? Eu sabia dos riscos, dos malefícios da medicação, mas... foda-se, eu precisava dormir. E foi o que eu fiz. Dormi por uma hora, enquanto Daniel gastava sola de sapato andando de um lado para o outro no quarto, querendo que eu me levantasse e caminhasse. Eu simplesmente não conseguia. Quando fiquei de pé e fui caminhar comecei a sentir uma cólica. Mas, quê que tem, o bebê já ia nascer mesmo. Já eram três da manhã. A cólica virou dor, a dor virou delírio e o delírio virou desejo de homicídio.
_ Me dá outra anestesia, pelo amor de Deus!
_ Agora não pode. Só as sete da manhã, quando trocar o anestesista.
_ Tá doida Raquel, eu trabalho em hospital, ninguém inicia plantão as sete.
Ela só me olhou. E nos deixou a sós um instante.
Daniel: _ Pede uma cesárea agora. Vocês vão morrer aqui, vai passar da hora, você não está aguentando mais.
_ Eu vou pedir.
Quando Raquel veio eu falei: _ Ou faz a cesárea ou eu vou embora daqui. (Desculpe, Raquel)
Raquel trouxe a supervisora de Enfermagem pra conversar comigo.
_Olha, não grita, eu sei que ta doendo, respira fundo, cesárea vai cortar sua barriga é cirurgia, oh você tá gritando, respira, você terá uma cicatriz por resto da vida, oh não grita, é risco pra você e para o seu bebê, oh respira, vamos tentar mais um pouco?
_ Vamos!
Daniel se levantou, puto da vida, foi para o outro canto do quarto manifestar sua síndrome das pernas inquietas*.

Raquel se sentou ao meu lado, me deu suas mãos magrelas, Dani assumiu o posto da massagem na lombar e assim vencemos a madrugada. A cada contração eu espremia as mãos da Raquel e o Dani espremia suas mãos na minha coluna. E nem adiantava me mandar parar de gritar.  A dor do parto é um fenômeno atípico. Diferentemente da dor da humilhação, do descaso e do abandono, a dor do parto não gruda. Ela não faz morada na mãe. Ela passa.

 Assim que deu sete horas da manha eu estava na sala de anestesia sendo medicada. Queimei minha língua. Voltei para o quarto e uma nova enfermeira rendeu aquele "anjo de candura da noite", agora sim a sala estava de fato cheia de anjos daqui: Daniel, Raquel e Adrinez. Eles caminharam comigo e a cada contração nós nos acocorávamos. Eu andava e via rastros de sangue pelo quarto. Mas não senti medo, sabia que estava bem amparada, também não tinha mais força pra gritar. Sentia-me esvaziada, imersa em mim. Certa hora elas me disseram para me sentar na banqueta, Dani ficou na cama e eu me recostei nele. Por causa da analgesia eu não sentia os puxos. Mas sabia que a hora estava chegando pela dor.

Neste instante eu entrei num transe. Não sei dizer quanto tempo durou, eu jurava que foram mais de duas horas, Dani diz que não passou de 20 minutos. Eu estava num caos, meus gritos, meus temores, minhas angustias... faziam um barulho ensurdecedor. Meu corpo inteiro foi tomado por essa sensação, nós eramos só vibração. Senti como se Dani, eu e Bebelle fossemos um. Ele pôs as mãos sobre a minha barriga e o seu toque nos unia. Então por um tempo tudo parou, o caos sessou e foi como se eu tivesse mergulhando no mar. Calmaria. Ela nasceu. Veio para os meus braços, assustada, tremendo as mãozinhas, mas sem chorar. Eu disse: Oi, você é a Isabelle? Eu sou sua mãe. Recostei-a no meu colo e ela mamou. Assim nasceu a minha Preta e assim eu morri para uma vida acomodada.

Meu parto não foi o padrão ourou que se tem propagado por aí. Eu fiz escolhas equivocadas, estudei pouco, não contratei doula, tomei ocitocina na hora errada, enfim, não me empoderei. Mas foi a melhor coisa que já me aconteceu. Foi o meu parto possível e que me aproximou de mim mesma.
Eu fui chuva, que permitiu que a uma criança nascer, uma família se fazer e uma mulher se instaurar.

O puerpério foi um tempo de explosão. Eu não cabia em mim. Queria sair pelas ruas gritando a todas sobre o que passei e como era bom parir. Comecei a estudar, lia tudo que me aparecia sobre parto humanizado. Eu me agigantei naquele momento"Nada do que eu fui me veste agora, Sou toda gota, que escorre livre pelo rostoE só sossega quando encontra a tua boca." (Maria Gadú, Quando fui chuva).  Eu estava tomada de amor pela minha filha e pela possibilidade de renascer profissionalmente. Não sabia como, mas eu precisava lidar com parto cotidianamente. Voltei a trabalhar e todos os dias alguma grávida me procurava pra conversar, alguém me contava uma história de parto... Tudo apontava para um novo caminho. Mas não era fácil abandonar um rumo trilhado com tanto empenho. Há tempos eu sabia de mim por aquele lugar. Demorei quase um ano para fechar esse ciclo. Tive que compreender que não se tratava apenas de trabalho, mas também dos meu lutos pessoais que precisavam ser elaborados. Depois dessa análise eu pude enfim trasmutar a energia do morrer para o nascer.

. Minha intenção era levar a cada gestante a luz que brilhava em mim.

Fiz o curso de doula pelo Inshtar/Minhas doulas e depois de um mês já estava doulando a primeira gestante, Vanessa, a quem serei eternamente grata pela oportunidade. Assim como as professoras e colegas de turma do curso que ainda hoje partilham experiências comigo.

Quando o trabalho engrenou de vez eu pude sentir a graça que é servir a gestantes. Não há nada mais belo e mágico que servir a luz. Tomada de gratidão por ter tomado outro rumo, meu corpo deu sinais que ele também se modificou. Ele se tornou morada para outro ser. Deus mandou outro anjo para ser acolhido e cuidado em nossa família. A vida se recria novamente em meu ventre e não podia ser diferente, eu sou pura criação. Mas já que ficarei um tempo sem doular, fiz um blog pra me comunicar com outras mulheres e poder partilhar essa missão. Outras mudanças se aproximam. Tudo sairá do lugar novamente. E é assim mesmo. Algo morre, para que algo nasça. E foi assim que eu cheguei aqui.

* Síndrome das pernas inquietas: agitação motora involuntária dos membros inferiores. Se identificou, ne?!

quarta-feira, 11 de março de 2015

Há dias em que a gente se pergunta: o quer Deus que de mim?

Essa conversa começou enquanto eu dormia e até agora não terminou, porque eu não paro de pensar nela.

_ Estou me sentindo como se um foco de luz fosse jogado sobre mim. Iluminando tudo. Não há mais nada a ser escondido. Todos os meus defeitos e todas as minhas potências foram escancaradas a mim.

_Você ama muito a sua família, né. Isso é Legal! Mas nem tanto assim, fala a verdade. Eles não são os únicos do mundo sabia? Há outros que precisam do seu amor e dedicação.

Aí eu falo:

_Ah gente, nem faz tanto tempo assim em que eu alcancei a paz entre todos nós. Estamos tão felizes juntos.

_ Ah mais que bom que alcançou! Isso é realmente bom. Mas e agora? A vida segue, né. Você veio ao mundo para evoluir não é? Ou vai ficar nesse regozijo "eterno" e parar sua expansão?

_Uai, pode não?

_ Pode. Sempre pode. Mas é por isso que você reza todas as noites? Ta satisfeita em se resolver no seu mundinho?

_ pqp, você é insistente!

Silêncio. Retomo:

_ Mas tem que deixar todo mundo indisponível ao mesmo tempo? Tem que me colocar no momento mais frágil e vulnerável possível? Tinha que ter crise alérgica, que fazer contrações com 26 semanas? Deixar minha filha sem o mama?

_ E desde quando gravidez é vulnerabilidade? Gestar é criar, é potência, é força dobrada! Porque você precisa tanto de amparo? Como vai ter noção da suas habilidades internas se está sempre cercada de pessoas que lutam por você? E o principal: foi você quem pediu por isso, lembra: " parir meus medos prematuramente, amém "?

_ Ah era, sim. Os medos, não o bebê!

_ Esqueceu que tudo tem um propósito? Que cada ação tem a intenção clara de fazer você evoluir? Que a ascensão de um é a elevação de todos? Não se prenda ao velho, mesmo que ele seja recente. As conquistas vem, mas também não são eternas. É tempo do novo. Tudo deve ser elevado, modificado, melhorado. Não resista! Entregue-se ao propósito da sua alma e ilumine a todos a sua volta.

É aí que eu digo que cada um tem o anjo irônico/psicanalista que merece.





quinta-feira, 5 de março de 2015

Não contrate uma doula

fonte: http://wordbia.blogspot.com.br/2011/01/way.html

O Hospital Sofia Feldmann é uma fonte inesgotável de inspiração pra mim.A cada visita rola um texto novo.  Segunda fui até lá. No caminho eu fiquei meio desconcertada. É estranho ir ao Sofia e não trabalhar. Mas nesse dia a gestante a ser atendida era eu. E quem disse que doula não trabalha no meio de um monte de barriguda?!

A consulta demorou horas e aproveitando esse tempo, a fisioterapia do hospital promove uma roda pra compartilhar experiências e informar sobre parto, prevenção de laceração e etc. Como eu era a única que já tinha parido entre as gestas presentes a fisio pediu que eu contasse como foi o meu parto. Todos foram muito receptivos a minha fala. 

Entre os presentes havia um casal com 33 semanas, participativo, integrado e bem informado. Quando questionados se teriam um doula eles disseram que não. Para espanto de todos. Os argumentos para a não contratação eram claros para os dois: não havia espaço físico e emocional para mais uma pessoa na cena do parto. Ela seria acompanhada, além do marido, pela irmã. Como eles não fizeram vínculo com nenhuma doula até então, não viam sentido em incluir mais alguém após as 30 semanas. Todas as informações que obtiveram foram de modo independente e por cursos. Como eu já tinha me apresentado como doula senti no ar que todos esperavam que eu me posicionasse para convence-los dos benefícios da Doulagem. Eu escutei e só. Uma das gestantes, irmã de uma grande e linda doula militou em favor da categoria, uma fofa, mas foi em vão. Quando eu finalmente resolvi dizer o que pensava ela foi chamada pra consulta. Isso sempre acontece comigo. Então se eu não posso falar faço o quê? Escrevo, né.

As estatísticas de uma pesquisa qualitativa e bem embasada nos dizem que ter uma doula reduz em 50%  o risco de uma cesárea. Isso é, alguém testou em um grupo de mulheres a atuação de doulas, compilou e analisou os dados e depois fez deste um saber universal. OK? OK! Agora vai o conselho que eu queria ter dado a eles: Não contratem uma Doula. A lógica do parto humanizado é subversiva a ciência tradicional, apesar de fazer uso dela. Mesmo que a ciência me dê subsídios para acreditar que é melhor ter uma doula do que não ter, neste caso, recomendo que não tenha. A humanização é império do particular em detrimento ao universal. É a mulher quem faz suas escolhas. Então se ela diz que não quer uma doula, vamos respeita-la. Pq? UAI, o parto é dela. Há que se cuidar do efeito massificador que os grupos de pares podem ter: que se siga o grupo sem avaliar se aquela escolha de fato faz sentido. 

Se tem um ponto pacífico entre os militantes do parto normal é a doula. Se VC pedir um conselho a qualquer um dos papas da humanização, tipo: "Quero um parto normal, por onde eu começo?" 99,9% deles te indicará contratar uma doula, porque é sabido, como diz Ana Cris Duarte, obstetriz, nós "sabemos dos paranauês". Mas não faça essa e nenhuma outra escolha para o parto baseado no saber racional. Ele é importante, claro que é. Mas não se exceda nele, porque a ciência também é uma construção social. Tenha-a como  parceira, mas não como norte. Ninguém precisou provar com pesquisa dublo cego rondomizado os benefícios da amamentação as nossas avós. Elas simplesmente sabiam disso, era natural. Hoje somos mais racionais e vez ou outra alguém precisa nos lembrar do número de doenças que podem ser evitadas com o aleitamento exclusivo e o prolongado. O engraçado, pra não dizer trágico é que, no Brasil, a média de amamentação é de 54 dias. A mesma sociedade que produz o conhecimento de que amamentar é bom não protege nem tão pouco valoriza a mulher que amamenta. A ciência é parte de nós. Tem suas lacunas, por isso não podemos nos guiar só por ela. E agora José e Maria?  Escolha com o coração. Ouça sua intuição! Ela é o melhor termômetro que existe. Além do mais este é o grande barato do parto normal protagonizado pela gestante: fazer as próprias escolhas e se responsabilizar por elas. Para parir ou não, para amamentar ou até para ser mãe ouça sua voz interior.  Isso é humanização. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Relato de uma não doulagem




Natália me procurou por indicação de uma amiga em comum. Pediu informações sobre parto normal, contou que tinha feito uma cesárea há alguns anos atrás por falta de dilação e bacia estreita (abaixo do texto bases científicas sobre esse equívoco de diagnóstico). A sentença foi dada antes das 40 semanas e do trabalho de parto. Agendou-se a cirurgia. O obstetra era o tradicional médico da família e novamente era o titular nesta nova gestação.

Eram tantos questionamentos dela que o espaço virtual estava pequeno. Sugeri a leitura do meu blog e outros textos e um encontro presencial para falarmos sobre suas dúvidas. Como ela iria ao Sofia para conhecer o hospital, eu me dispus a encontra-los lá. 

Ela estava no início do nono mês e despertando para o mundo do parto humanizado. Todas nós sabemos, em maior ou menor grau, como é difícil se livrar das amarras do sistema, sobretudo com a gestação avançada e os medos peculiares a esta fase. Aquelas frases que sempre ouvimos da mães que chegam a nós como primeira referência a humanização, foram ditas: "mas eu me sentiria mais segura com um médico na sala", "E se eu escolher o parto normal e alguma coisa de errado acontecer?" Nada que nenhuma mulher que cogitou o parto humanizado não tenha sentido em algum momento, mas a frequência destas sentenças nos mostram o poder modelador do sistema cesarista.

A visita foi bem tranquila e marido e esposa fizeram perguntas a mim e a ouvidora que nos apresentou a instituição. No final fiquei com a sensação de que ele gostou mais do que ela. A angústia em como deixar o antigo GO estava fortemente presente na Natália. Fiz minhas colocações e deixei que o tempo assentasse o medo e aflorasse o empoderamento.  

Fui para casa feliz porque não há assunto que me deixe mais satisfeita do que falar sobre parto. Ainda mais com alguém que se inicia neste tema. É lindo e tenso perceber, como Psicóloga, como as pessoas reagem as mudanças. Encanta-me poder participar deste processo de transformação e me transformar junto com ele. Mas esse caso me reservava muito mais do que a posição de observadora.

Natália recebeu de uma amiga uma indicação de um médico humanizado que atendia pelo convênio e em uma maternidade privada. Marcou consulta e adorou a acolhida. Contudo o médico pontuou que ela não poderia me contratar pois a maternidade só aceitava as doula já cadastradas. Passou nome e contato para um novo vínculo. Essa é uma conduta questionável por todos os lados, mas falemos disso outro dia, o foco aqui é outro.

Assim que chegou em casa Natália me contou desta nova realidade, ainda pesarosa por me dispensar. Tudo que eu a disse se resume em estas frases, quer foram ditas de coração: Não se preocupe, doula é solução e não problema. Vai dar tudo certo! Estou feliz por ter conhecido vocês.

 A noite, durante a meditação, esse tema me veio a mente; Quando a primeira mensagem da Natália apareceu na minha tela era eu quem procurava uma resposta, de cunho espiritual. E ela me deu. numa sintonia divina, impressionante. Foi ela que veio me guiar, me doular, me orientar.
Ao mesmo tempo em que eu fui contactada pela Natália, eu me preparava para duas grandes mudanças: parir meu segundo filho e logo depois, me mudar de estado. Sim, estou me retirando para São Paulo.

A convivência com a Natália me fez atentar para algo importantíssimo em períodos de mudança: se apegar e se desapegar. Acolher aquilo que o universo nos mandar e deixar partir aquilo que deve ir. Sem sofrer, mas grato pela presença. Por mais que eu ame estar entre gestantes, e sobretudo, por mais carinho que a ideia de doula-la me trouxe, era preciso consentir que essa tarefa fosse dada a outra Doula para que eu expandisse esse ensinamento a instâncias diferentes da minha vida. Desapegar não significa se desligar. Eu não me desliguei da Natália, talvez agora estejamos ainda mais sintonizadas. Esse episódio me preparou para outros desapegos maiores e mais fortes: a distância física da minha família, dos meus amigos, dos meus vizinhos, do meu trabalho, das minha doulandas, da gravidez... O desapego é um convite a abrir mão da lamuria que nos toma tempo e energia e conscientemente criar espaço na mente e no coração para a chegada do novo. O futuro não se sobrepõe ao passado,mas nunca se acessa o presente se não desapegarmos do luto de avançar na vida. Eu estou plenamente aberta ao destino que esta mudança me reserva, por que o futura chegará de qualquer forma, mas será mais amigável se eu bendizer o presente. Obrigada Natália, você me ensinou que deixar ir é deixar que eu vá. Em oração estarei com você todos os dia.

 Aeee galera de SP, tamos chegando!

Links pertinentes
http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Lições de Psicologia à Assistência ao Parto ou sustos de uma acadêmica


Essa história que eu vou contar aconteceu comigo quando eu era acadêmica de Psicologia num Hospital Oncológico. Num feriado qualquer, estava eu sozinha no setor e quando terminei o trabalho, desci para a sala da Psicóloga.  Como não tinha atendimentos ambulatoriais naquele dia, o andar, que era antigo e escuro, estava deserto e com um aspecto bem sombrio para a minha imaginação medrosa. Pensei:

_Calma! Vou deixar minhas coisas na sala correndo, pego minha bolsa, mais correndo ainda e saio voando daqui.

Entrei na sala tipo policial do BOPE, olhando para todos os lados antes de avançar, fechei a porta correndo, e fui desabotoando o jaleco na velocidade cinco. Batem na porta. PQP, sô! Respirei fundo, “Coragem mulher!”. Abri a porta e lá estava um ser com o semblante mais cadavérico que eu já vi na vida. Pra testar se eram meus dons mediúnicos se manifestando ou a minha imaginação de” fantástico mundo de Bob” me pregando uma peça, perguntei:

_Pois não, no que posso ajuda-la?

Por um segundo pedi a Deus que ela dissesse:

_ Nada não, boba, foi engano.

Mas...

_ Você é a Psicóloga?

_Não, sou a acadêmica dela.

_Serve você.

Entrou e fechou a porta.

Tremor

_ Preciso que você me responda uma pergunta: Os mortos podem voltar para falar com os vivos?

Tremor x 2

Pensei: desde que não seja pra falar comigo!

Neste momento parapsicológico, respirei fundo, revesti-me de toda coragem e arcabouços teóricos e falei de forma bem original:

_Fale mais sobre isso!

_Minha mãe ta internada aqui e o médico disse que ela não terá muito tempo de vida. Então eu preciso saber se ela poderá voltar para falar comigo.

Meu coração se compadeceu daquela mulher, como deveria ser terrível perder a mãe. Eu não podia nem imagina tal situação. Um lampejo de pena passou por mim, mas eu não permiti que ele se instalasse. Repassei na mente todas as aulas, a análise e as supervisões  para entender que não era sobre o meu prisma que eu deveria atendê-la. O Sujeito daquela sessão era ela e não eu. Se eu fosse me basear pelos meus sentimentos eu a abraçaria e choraria seu pranto. Mas ela buscou uma psicóloga e o meu papel era de escutar e não falar.

_A Senhora deseja que ela volte?

_ Eu sempre fui expansiva, falava alto, ria alto... e minha mãe passou a vida me controlando. Não ria assim, não fale assim, isso não é coisa de mulher descente. Fui definhando. Um dia perguntei:

_Mãe, a senhora nunca vai me deixar em paz?

E ela respondeu:

_ Nem quando eu morrer!

_ Então doutora, ela pode ou não voltar?


Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive em Psicologia. É o sujeito quem significa sua vida, suas experiências, suas dores. O tratamento psi pode ajudá-lo a revisitar estes momentos e ressignifica-los, mas sempre partindo daquilo que ele vê e como ele vê. Se ao invés de ouvi-la eu a tivesse abraçado e dito coisas como: “Não se preocupe, sua mãe estará sempre com você, onde quer que você esteja...” Eu teria pagado o maior mico deste e do outro mundo.

Agora já formada e como doula, percebo que na assistência as gestantes, muitas vezes, não se percebe essa lógica.  Como se todas as mães fossem iguais, como se toda experiência de parto fosse igual. Estabeleceu-se um padrão ouro no qual todas almejam e só algumas iluminadas alcançam e as outras se culpam por não terem chegado lá. Isso é cruel. Quem significa o parto e a maternidade é a mulher.

Para assistir a gestante é necessário partir de um pressuposto muito caro a Psicologia: Iniciamos o atendimento cientes de que não sabemos nada daquele sujeito. NADA! Parece simples, mas não é. Você tem que se desapegar das suas convicções e saberes para entender que na sua frente há um ser com desejos desconhecidos, mesmo que você o conheça.

Agora se você está diante de uma grávida como: ativista, familiar, amigo ou colega de consultório, tente fazer esse esforço de incentivar o protagonismo tendo como base o sujeito e não o movimento. Aí  você me diz, mas ela é minha filha, sei que ela não suportará a dor, ela não tem estrutura para parto normal, eu não tive. Pronto, já se sabe de quem estamos falando. Dê um passinho pra trás, minha senhora e vamos começar novamente, ok?!

Essa é a hora de ser humilde. É a hora de mostrar que tudo que você sabe sobre doulagem, enfermage, psicologia, obstetrícia, pediatria... não servem para nada no que diz respeito aquele ser, se você não permitir que ele fale. Não é porque muitas mulheres tem medo da dor e preferem agendar uma cirurgia que aquela ali na sua frente também vai querer. O parto de cócoras é muito bem indicado pela fisiologia do parto, reduz o risco de laceração, conta com a ajuda da gravidade, ok, tudo certo, do jeito que você aprendeu na faculdade. Mas essa mulher quer parir deitada, posição litotômica. Parece ilógico, parece que você está atirando seu ativismos pela janela, mas não, você está acolhendo  uma pessoa diferente de você. Não se conhece sua vida, seus traumas, suas questões. Respeite o outro pelo que ele é, pelo simples fato dele não ser você.

Ah, menina, se fosse eu transmitia o parto pela internet. Parir é lindo demais! Mas ela não quer. Não quer a doula, não quer o marido, quer a amiga e só. E só. Aceite.
As mães, quando estão assim como você, adoram quando a gente faz encurtamento de colo. Eu enfio os dois dedos e na hora da contração eu empurro o colo pra trás e você faz força pra frente. O bebe nasce rapidinho. Vai nascer aqui na minha mão, quer ver. Vamos lá!

Não, não existe uma categoria “todas as mães”, nem “todos os bebês” ou “todos os doentes”. Existem,, pessoas e mesmo que a ciência universalize o saber, nós não podemos anular o particular. Cada mulher é uma mulher e cada mãe é uma mãe, na vida e na morte.


domingo, 8 de fevereiro de 2015

Destino - Página 2 - O Beta HCG



Antes mesmo de pensar em qualquer possibilidade que ligasse atraso menstrual a concepção,  Madá foi ao salão fazer o de sempre: cortar, pintar, progressivar e escovar. Sabia que se duas listras ordinárias aparecessem numa tira de papel seus cabelos cairiam num limbo entre raiz cacheada e pontas lisas. Melhor garantir a de hoje. Só por hoje. 

O salão é um lugar alheio ao mundo interno e extremamente conectado aos anseios sociais. Já reparou? Quando uma mulher se senta em uma cadeira de um salão de beleza (o singular é proposital) e pega uma revista feminina ela é capturada. Se torna imperativo renovar o guarda roupas (aqui é plural, mas só na quantidade), a maleta de maquiagem, o estoque de sapatos... inovar na cama, no comportamento e no trabalho. 


Nesse mundo do Eu não cabe nós. Ninguém faz nada de novo, mas é preciso estar impecável para ser o mais do mesmo. 30 maneiras de atingir o orgasmo. Mas sem nenhuma conexão entre sexo, vida e crescimento emocional, que dirá espiritual. 


E neste universo paralelo estava Madá, imersa entre uma bolsa amarela e acessórios eróticos pensando em tudo aquilo que não tem, quando a escovista chegou com um espelho para lhe mostrar o serviço.

_Pronto querida, juba domada. Gostou?

Ela nem respondeu, se levantou, jogou o cabelo pra frente, depois pra trás, tipo garota do fantástico, ajeitou a franja e saiu dalí se sentindo única, só faltou a bolsa amarela. Deu cinco passos e logo veio uma cólica chata só pra lembrar que ela talvez não fosse mais una. 

Agora sim, renovada pelo templo da beleza ela poderia enfrentar todos os desafios. Chegou ao laboratório, pegou uma senha preferencial, jogou a franja pra trás e pediu sem medo: 


_ Quero fazer um Beta HCG, por favor. 

Fez o exame e foi lanchar no shopping. Nem tocou no sanduíche. Digitava login e senha sem parar no site do laboratório. Já era quase a hora ir trabalhar e ela ainda não sabia se podia ou não comprar a calça 38 na promoção.

Detonou o milk shake sem ver. Voltou pra buscar outro e na filha deu um enter. 
_Batata! Quero dizer, milk shake!
_hum? Disse a atendente
_nada não. 

Saiu da fila, pegou a bolsa e caminhou  arrastada. Todo peso do mundo cabia nas suas costas.

Ao passar pelo porta de saída percebeu que chuviscava. Pegou a sombrinha que sempre estava na bolsa. Mais 20 passos e céu desabou num temporal impressionante. Parecia que as nuvens choravam seu pranto. Sim, ela estava grávida. 

Chorou sem parar, andou sem parar. E sem parar de pensar, no fim não podia não lamentar a chuva no dia do salão. Sacanagem! 


O céu inteiro escureceu. Raios, trovões e a lembrança de só ter sido contratada por ter boa aparência e não ter filhos. Nada disso duraria por muito tempo. Não podia se imaginar como uma cobra que engoliu um bezerro. Aquela calça 38 tão cedo lhe serviria, se é que um dia irão lhe servi qualquer coisa do seu guarda roupas. E as 30 formas de se atingir o orgasmo? Como pode uma mulher grávida transar? E o neném, gente? Ele escuta. E além do mais, quem vai querer ir pra cama com a irmã mais nova da Filó. Oh coitada! 


Logo agora que ela se formou, que tá trabalhando, que vai receber seu primeiro salário. Vai ficar com os peitos murchos? Isso não era justo. 


_Como eu vou contar para o meu chefe? Se meu marido não fosse tao preguiçoso pra usar camisinha. Mas se eu também não fosse tao relapsa com a pilula. 


Tinham mais raios e trovões dentro da cabeça dela do que no céu. Foi assim até chegar a clínica de Hemodiálise. 


Entrou no salão, ouviu algumas piadas dos pacientes por estar molhada e no final do corredor esta Iara. Braço esticado, cheio de marcas que denunciavam seu longo tempo de tratamento. Tinha a blusa levantada até a altura dos seios expondo aquele barrigão de sete meses. Ela estava com fone de ouvido. Escutava um mantra para gestantes enquanto acariciava o ventre. 


O primeiro impulso de Madá foi pensar:

_ Abaixa essa blusa. Gastura dessa pança. 
Não sabia bem o motivo, mas a cena lhe pareceu erotizada. Depois teve pena.
Quando se aproximou para aferir a pressão, Iara olhou bem nos seus olhos e disse:
_ Você está diferente hoje.
Madá desviou o olhar e respondeu:
_ Chuva! Não há chapinha que resista. 
_ Não é isso. Nem de longe. Você tá com uma luz. 
Madá logo associou a palavra Luz a expressão "dar a Luz". Um tremor percorreu seu corpo todo. Pensou rápido:
_ Vou sair de perto dessa bruxa buchuda. 
_90x60 sua pressão. Vou reclinar sua poltrona. Sua pressão ta muito baixa. Fica quietinha pra você descansar. 

Nada com um termo técnico e uma mudança no ambiente desfaçada de cuidado para fazer calar um paciente. E Madá logo experimentará essa manobra do lodo de lá. 




links pertinentes

Produtos químicos para gestantes e lactantes
http://www.denisesteiner.com.br/ginecologia/produtos_%20quimicos_capilares_e_gestacao.html

30 formas de atingir o orgasmo
www. hahahahaha, mentira que você achou que ia fazer isso aqui??? Não vamos criar regras para a sexualidade de ninguém, não é mesmo. 


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Destino - página um. O início da História




A moça desta história, Madalena, mora em Belo Horizonte, ela adora a cidade apesar de achar que se tivesse praia seria melhor. Ela se casou, mas ainda mora na casa dos pais. Seria ótimo se eles não dormissem tão tarde. Trabalha de vendedora no Shopping, a comissão é excelente, pena que as promoções para funcionários a consomem. E nesta vida quase boa ela está preste a se formar enfermeira. Não foi fácil chegar ao último período. A faculdade quase foi fechada por irregularidades no currículo, mas os juros das mensalidades atrasadas sempre cumpriram assiduamente sua função: a de lembra-la que não podia gastar R$ 200,00 reais numa calça jeans sem sofrer as consequências disso.

 Enfim, chegou a formatura. Era tanta angústia junta: medo de não ser uma boa profissional, de não conseguir disputar uma vaga com quem fez uma federal, de ser humilhada por médicos no trabalho... Todas as questões eram pertinentes menos a de ter uma diarreia durante o discurso como oradora. Sim, ela estava se borrando. Eram tantas questões passando pela sua cabeça que ela não podia mais se concentrar no trabalho. Logo, foi mandada embora. E ao subir no púlpito para discursar levou consigo o peso de uma desempregada que ainda mora com os pais aos 30 anos e não sabe o que fazer para pagar o financiamento estudantil. Ela não evacuou, mas chorou.

Uma semana após a formatura ela recebeu uma ligação para comparecer a uma entrevista de seleção. Era uma clínica de hemodialise. Como ela passou boa parte da faculdade fazendo estágios rápidos amontoados pelo trabalho na loja, nunca tinha nem entrado num salão como aquele. Mas, bora lá.
Passou na entrevista do RH e na temida entrevista com o Dr. dono da clínica teve que ouvir que a pouco experiência não era problema pois ele tinha um perfil que compunha bem o quadro da clínica: era branca, bonita e não tinha filhos. Pensou: oportunidade não se desperdiça! E lá foi ela furar fistulas no segundo turno da diálise.


Imagem retirada da internet
Tudo naquele lugar a impressionava: o cheiro de ureia, o tempo de duração do procedimento, a história de vida das pessoas. Madalena passou parte do primeiro dia agradecendo a Deus por ter rins perfeitos e a outra parte pensando que nunca mais consumira sódio.
Quando tudo já parecia bem impactante ela viu uma cena de amargar: não dava para acreditar, mas tinha uma moça grávida na máquina.
_Meu Deus como ela consegue passar por tudo isso, todos os dias?! (Gestantes que fazem hemodialise devem se submeter ao procedimento 6 vezes por semana)
Se a rotina de 4 horas de diálise, três vezes por semana já a assustava, era inimaginável alguém planejar engravidar e passar por isso todos os dias, durante nove meses.
_ Moça doida! Pensou ela.

No dia seguinte, mal abriram o salão e entrou a grávida, andando estranho. Sentou-se na poltrana e sorriu pra Madá.
_Tudo bem Iara?
_ Tudo ótimo Madá! Estamos cada vez melhor!
Madá sorriu enquanto pensava:
_ Como pode estar "melhor"? Ela não capta os riscos de estar grávida e ser dialítica?
Mas não satisfeita, Iara estica a conversa.
_ Hoje eu fui ao pré natal e minha enfermeira afirmou que está tudo indo bem para o meu parto normal.
Madalena quis morrer neste momento. Não dava mais pra segurar o sorriso amarelo. Ela passou quatro anos da faculdade ouvindo e vendo os riscos do parto normal para uma mulher saudável, imagine só para uma pessoa com uma doença crônica.
_Mãezinha, (sempre achou fofo quando via seus professores se referirem assim as pacientes grávidas), você não tem noção do que está falando. Quer que seu filho seja doente como você? Pra quê uma mãezinha sem rim vai se submeter a dor e a incerteza de um parto normal? Já não basta ser furada todos os dias?
Iara também não sorria mais.
_Eu não sou mãezinha, sou mãe pra C#$!@$, e você devia estudar mais para evitar falar tanta besteira.
Choque. Mulher falando palavrão já é tão feio, grávida então é imperdoável. Não falou nada, mas passou o caminho pra casa todo praguejando: Sou formada, Querida! Quando tiver um filho deficiente vem atras da enfermagem pra passar sonda, mas não ouve quando a gente fala.
Em casa não conseguiu comer. A dor de cabeça era forte, só não ganhou do sono que ultimamente tem tomando conta da sua vida. Acordou de madrugada com a boca cheia de saliva. Estranho. Foi ao banheiro, na volta passou na geladeira e comeu feijão gelado com pão francês. Esquisito. Acordou com cólicas que deviam ser menstruais se ela não estivesse com 14 dias de atraso.












Links pertinentes

Cartilha de direitos dos pacientes Renais Crônicos
http://www.portas.ufes.br/sites/www.portas.ufes.br/files/Cartilha_FDV_Direitos_Pac_Renais%20Cr%C3%B4nicos.pdf

Dissertação de mestrado em Nefrologia: A gestação em pacientes renais crônicos
 http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6203/000482407.pdf
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6203/000482407.pdf




domingo, 25 de janeiro de 2015

Relato de Doulagem - Quando um parto gera outros frutos



Um dia tava lendo uns emails numa lista de incentivo ao parto normal e li um texto de uma gestante que me tocou, mais que o comum. Ela falava da gravidez não planejada, da pouca idade e da falta de apoio do seu circulo social ao seu desejo pelo parto. Aquele e-mail foi um chamado. Entrei em contato com ela pelo Facebook e começamos a conversar. Ela é do interior e não sabia se teria estrutura para vir a BH ter seu filho no Sofia, já que sua cidade não oferecia assistência humanizada.
Dessas conversas nasceu uma amizade e uma parceria que com certeza não são desse plano. Não podia ser diferente, eu seria sua Doula. Nos falamos praticamente todos os dias, sobre tudo e sobre parto. Até que no segundo trimestre de gestação, durante um ultrassom, foi detectado uma baixa do líquido amniótico. Pelos profissionais de sua cidade, estava decretada a cesárea. Mas ela, teimosa que só, delicadamente empinou o nariz e saiu dizendo que iria para o Sofia. Foi aí que nos conhecemos pessoalmente. Menina linda, meiga, carinha de criança e persistência de gente grande.

Nesta trajetória da Simone, aos olhos de pouca fé, tudo conspirava contra: ela era nova, recém casada, morava no interior, longe de BH,  não tinha muito apoio social e no final da gestação ainda apareceu essa questão do oligoidrâmnio (diminuição do Líquido amniótico) e pra fechar a maré do contra, seu marido teve uma viagem a trabalho agendada para a época do parto, pra São Paulo. Parecia que ela tava condenada a fazer o que todo mundo faz: ir ao médico e agendar sua cesárea "salvadora".

De repente ela recebeu um "Raio Parideira" (invenção minha: mistura de raio gourmetizador, com chama violeta) e a bichinha resolveu todos os seu problemas como quem esfarela cinzas ao vento. 
Descobriu que tinha uma prima que vivia em BH (isso!), que era enfermeira (Jóia!), que era obstetra (Maravilha!!!) e que trabalhava no Sofia (PQP!!!). Sua mãe assistiu ao filme "O Renascimento do parto" e se transformou na mais nova índia empoderada de Lafaiete.

 Então vieram Simone, sua mãe e o marido para BH consultar com a Kelly, a prima, e o problema da Oligoidrâmnia foi resolvido com hidratação. Mas ainda restou um, o marido estaria em SP.
Óbvio que quem cria esse tipo de conexão com seu corpo e com o universo antevê as coisas. Simone sempre me disse que sua gestação não passaria de 36 semanas. E assim foi. Com exatamente esta idade gestacional ela me ligou avisando que estava com uma cólica suave. Logo depois avisou que iria para a casa da prima. Durante toda a fase latente ela foi me dando notícias, suas e do Bruno que estava em SP. Ninguém sabia se daria tempo para ele chegar, afinal: SP, trânsito, ônibus e bebês são coisas que não se pode prever a chegada. 

Lá pelas duas horas da madrugada recebo uma ligação da Simone, serena, tranquilíssima avisando que iriam para o Sofia. E eu também fui. Dirigindo até o hospital fiquei pensando: É o primeiro parto que doularei depois de grávida. Passei mal a semana toda: nauseada, fraca, lerda... será que terei forças, será que não vou vomitar no bebê, será que não era melhor manda a doula back up no meu lugar? Quando o sinal fechou atravessou na minha na faixa de pedestres uma doninha de bengala arrastando uma perna e empurrando um carrinho com garrafa de café e uma caixa com pão. Ah ném que vergonha! Eu diante de duas mulheres repletas de coragem e eu com medo de vomitar! Só não comprei um café porque o sinal abriu. Vou me alimentar da vida refletida  por essas mulheres que poem o mundo pra girar e eu também quero ir.

Cheguei ao PA do Sofia e o Bruno estava lá! Estava também a tia da Simone, Mãe da Kelly.
Aguardamos ao fim da avaliação e fomos encaminhadas ao quarto Maria Nazareth. Perguntei a Simone como ela estava e ela respondeu sorrindo que tava tudo bem. Fomos para o chuveiro com a bola suíça. Lá as contrações se ritmaram ainda mais. Lembro que ela me falou:
_ Nossa ta começando a apertar, tem alguma coisa que eu possa fazer para evitar isso? 
E eu respondi:
_ Nós não vamos brigar com nada que você está sentindo. Se é dor, vamos a dor. Agora o momento é de entrega, se abre que seu filho vai chegar. 
Chamei o Bruno e passei a ele o vidro do óleo de massagem, deixei os dois no banheiro, reduzi a luz e fechei a porta. Nada como intimidade e carinho para o conforto da dor. Bruno estava afoito para ajudar. Queria cuidar de sua família, amparar sua mulher. Era uma família nova, em todos os sentidos. Um casal de adolescentes, praticamente, preparando-se para receber um bebezinho. Mas eu sentia que aquele momento formava um elo entre eles que jamais seria esquecido. cuidei para que fosse lindo!

Enquanto isso fui conversar com a Tia da Simone. Peça rara, me fez dar muitas risadas. Contei que também estava grávida e ela cuidou de mim como uma tia emprestada. Aproveitei para papear com a Kelly, ela é dessas profissionais na medida. Doce sem ser grudenta e técnica sem ser pragmática, de admirar. Seria assistida por ela no meu parto tranquilamente. Falamos sobre indicação de ultrassom para gestantes de risco habitual, no caso eu, ameacei pegar algo para comer e a Simone saiu do chuveiro com cara de dor, pela primeira vez. Deitou-se na cama. Bruno continuou com as massagens na lombar. Ela me chamou e perguntou se não tinha como usar um anestésico local fraquinho, olhei para ela com cara de "Oi?". Eu a confortei, disse que estava próximo e tal. A Kelly sugeriu um rebozo. Abaixei-me para pegar um xale na bolsa e ela queixou-se de muito calor, Kelly e eu  nos entre olhamos. Simone deu um grito e falou que queria fazer cocô. E nós: já?! Aí foi aquela correria discreta! rsrsrs

Kelly foi encher a banheira e eu ajuda-la a tirar a roupa. Não deu tempo nem de uma coisa, nem da outra. Simone gentilmente avisou: _Gente, tá muito forte, vai sair. Coloquei a Simone na banqueta, posicionei o Bruno e o resto a ela conduziu. Pediu que eu a acompanhasse numa vocalização. Fizemos juntas. Sabe quando se faz aquele tipo de meditação de comunicação celestial? Aquele que o som te eleva? Então, foi isso que rolou. Minha experiência desse momento foi assim, eu e meu filho, ela e o filho dela, elevados!
Com quatro contrações, digo amigas parideiras, apenas quatro contrações embaladas pelo nosso aaaaaaaaaaaa, e o Luca nasceu, parcialmente empelicado, lindo, fofo, saudável e a cara do pai (é isso que eu acho foda)

Não deu tempo de chamar a fotógrafa. Eu mesma tirei as fotos com o celular da Kelly.
Luca era atento ao meio, tal a mãe, aconchegava-se no silêncio. Por isso a importância de um ambiente com tranquilidade e privacidade para o pós-parto também. 

Tenho que confessar que o cheiro, antes tão agradável a mim, do líquido amniótico, me deu uma tonteada. Sentei a borda da banheira e agradeci por ela estar vazia, se eu caísse seria Trash.
Tão logo pariu, Simone estava amamentando. Não foi preciso sutura, pois não teve laceração. Levantou-se para tomar banho e para completar a onda de boa parideira já não tinha barriga, pasmem vocês. 

Simone foi um desses casos onde tudo deu certo. Acho que porque todas as guerras foram vencidas antes do parto. Mas a vida de mãe só começou. Ela que antes lutou para plantar agora é semente em sua família e em sua cidade. Fez uma fanpag no Facebook, Donna Chica, e está se movimentando para trabalhar com a humanização do parto em Lafaiete, através de grupos de apoio a gestantes. Num é pra morrer de orgulho?! Nasci de orgulho! Nasci uma Doula melhor depois de você!

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A sua felicidade casou com a dos outros?


Minhas experiências de vida, e olha que nem são tantas assim, tem me ensinado que nada do que passamos é inoportuno ou sem função. Exemplos, please! Ok, lá vai. Eu me casei com tudo que manda o figurino. Cerimônia no civil, no religioso, vestido branco e festa. Se fosse hoje, faria tudo diferente, pois minha consciência sustentável não me permitiria mais investir tanto dinheiro e tempo assim. Mas sou grata por tudo, foi lindo!
Então vamos aos exemplos de aprendizagem. Lá tava eu na festa, recebendo mil "Parabéns!" quando uma pessoa de extrema, digo Extrema, importância para mim, se aproximou e proferiu a seguinte frase: Porque você veio com este vestido (justo), você não sabe que eu tô gorda! Isso sem esboçar um único sorriso disfarçador de recalque. Nos cinco segundos que se passaram eu refiz mentalmente meus 8 anos de análise e no fim concluí: Hoje serei feliz por mim e por mais ninguém. Dei um abraço forte nela e falei ao seu ouvido: Pois eu tô achando você linda! Saí sem olhar pra atrás e curti a festa como se fosse meu último dia na terra. 
E daí? Isso poderia ter sido bem desagradável, mas minha posição interna não só me ajudou naquele dia como também me ensinou uma lição fundamental quando fui mãe. As pessoas não são obrigadas a partilhar da sua alegria. Principalmente se o caminho que elas percorreram na vida a levaram para decepções, tristezas e angústias. Óbvio que você também não precisa se alinhar a melancolia do mundo, mas é reconfortante reconhecer a angústia alheia e nela não se fixar. Entender que o que pertence ao outro é dele e o seu é só seu. Na alegria ou na tristeza. 
Quando um amigo ou familiar ficar perguntando: Você vai fazer parto normal? Porque não faz uma cesárea? Muito mais rápida, segura, limpa... Você quer ficar parecendo bicho? Reflita!
Se você tomou a decisão pelo parto normal, não espere aprovação das pessoas, elas não precisam. Nem crie expectativas de que todas ficarão super felizes por você ter conseguido parir um bebê de 4kg sem laceração. Sempre terá um engraçadinho desinformado para falar do perímetro da sua vagina. Aproveite as boas e más experiências e construa a sua vida, a sua maternidade. Case-se com a sua felicidade e vivam juntos para sempre!

Nota somente para o noivo: Eu casaria de novo com vc mil vezes!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Novo Ciclo: Romance!

Eu era dessas mulheres que ao assistir um canal feminino mudava de programação assim que começava qualquer atração que tivesse: Crianças, parto e família. E ainda pensava: que insistência em fazer da mulher uma reprodutora! Ah não, acaba um programa super interessante de culinária e começa um de parto?! Indigesto. 
Assim que me casei decretei logo que não queria filhos nos próximos cinco anos. Especialização, Mestrado, terminar o Francês, curso de psicanálise... mil prioridades. Com cinco meses depois eu tava grávida. O FDP do meu endocrino repediu mais de 10 vezes que eu precisaria de muito tratamento pra engravidar e sem fazer nada, ou quase nada, eu engravido. 
Foi um chacoalho da vida que me tirou da linha e me pôs a fazer as únicas coisas que me aliviam quando a angústia bate a porta: conversar, estudar e escrever.
Comecei conversando com pessoas da área de saúde, mães que tiveram cesárea e parto normal. Estudei tudo que achei pela frente, conheci o universo do parto humanizado e agora escrevo este humilde blog. 

Nesta fase, inicio um novo ciclo, (esse blog tem ciclagem tão rápida que é quase bipolar). O blog vai trazer, em dose homeopáticas, um romance com duas protagonistas: Madá e Hanna. São mulheres que como todas nós vão lutar para viver o sagrado feminino numa sociedade patriarcal e machista. Óbvio que terá gestação, parto, família, mas por favor, não troquem de canal. rsrs
Acompanhe aqui no blog, em breve!


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Disputa entre mães


Uma vez eu falei pra uma colega que não conseguia mais ir a eventos sociais porque minha filha não parava quieta. Ela disse que isso nunca acontecia com ela. Que sua filha sempre ficou quietinha, que era um princesinha. Na hora me deu uma inveja e uma sensação de inadequação. Passado umas semanas nos encontramos num evento com nossas crianças. A filha dela se portou tal e qual a minha. Ou seja, não deram sossego nem pra conversamos, como era esperado para duas crianças, mas elas era duas meninas.
Eu interpretei uma características da minha filha com algo da minha personalidade. Por isso fiquei ofendida com o suposto exito da outra mãe. Era como se ela soubesse educar melhor do que eu. Quando percebi que as coisas não eram bem assim, me deu um certo alívio que logo deu lugar a um questionamento: Por que meninas não podem brincar num lugar tão cheio de estímulos? De onde vem essa culpa por não adestrar suficientemente uma menina para que ela não faça aquilo que é particular a quase todas as crianças: brincar, subir nas coisas, correr...

Culturalmente somos levadas a pensar que uma mulher de verdade deve ser a melhor mãe do mundo e isso significa fazer de sua filha uma versão das princesas da Disney, ou seja uma menina  quietinha e bem comportada, sinônimo de dignidade. Nada disso se aplica aos meninos. Tô mentindo?
Descobri com esse episódio que a minha idealização de ser uma mãe perfeita para uma filha perfeita me deixaram decepcionada quando apareceu um furo neste ideal. Provavelmente foi esse mesmo mecanismo que fez com que a outra mãe mentisse.
Hoje se tem algo ao qual me dedico é contra o machismo que nos impõe o ideal perverso da perfeição como mulheres e mães. E para manter esse padrão estimula a competição entre nós. Somos todas irmãs imperfeitas, mas dando o nosso melhor. Não é rivalizando que mudaremos este cenário, mas nos unindo para alcançar um futuro digno as nossas meninas e meninos

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Como desatar os laços da supervisão constante sem desligar o amor?


Outro dia, eu acompanhava uma gestante na casa de Terapias Integrativas do Hospital Sofia Feldman e enquanto ela recebia um escalda pés eu conversava com outros acompanhantes. Como também estou grávida, o assunto não podia ser outro além de filhos. A mãe de uma gestante me falou uma frase que ecoou nos meus ouvidos: "Quando os filhos são pequenos nós somos protagonistas mas, quando elas crescem nós nos tornamos expectadores".

Porra! Expectadora! Pensei. Será esse o futuro que me espera? Pensei na minha mãe, lembrei da minha sogra e de outra mulheres mães de filhos adultos. Refleti sobre esse lugar da mãe na terceira idade e principalmente sobre o lugar que eu quero ocupar quando eu for mãe da mãe.

Como será estar inteiramente integre a um ser e depois deixar de estar? Se num primeiro tempo a mãe está totalmente conectada ao bebê, como desatar os laços da supervisão constante sem desligar o amor? E mais, como ocupar o espaço antes inteiramente tomado pela maternagem?

Cada sujeito encontrará suas saídas. Contudo, uma reflexão a respeito seja fazer uma distinção entre dedicação e amor. Se associarmos que o amor dos filhos estão diretamente ligados aos cuidados que damos a eles essa transição talvez nunca se faça. Uai, se o menino me ama porque eu faço tudo por ele, vou continuar tirando a cebola da salada dele, no auge dos seus trinta anos.

Mas se o amor e cuidado são uma coisa só para um recém nascido, ao tornar-se adulto o cuidado constante é para a sobrevivência de quem? Querer ser protagonista na vida de outro adulto é uma tentativa de viver uma vida que não lhe pertence. E digo mais, porque hoje tô mau que nem o pica pau, nunca lhe pertenceu. Putz! A magia das mães não é a onipresença, mais a paciência de revisitar sua vida na do filho e saber que esta não é a sua.

Inevitavelmente a gente se vê nos filhos. Relembra as escolhas dos nossos pais, as nossas próprias ações e se o passado for de dor toda recordação trará consigo uma sensação de que as coisas podiam ter sido diferentes. E no intuito afoito de se diferenciar repetimos os mesmos medos. E toda vez que repetimos, entrando na "roda viva" somos expectadores de nós mesmos. O melhor jeito de fazer o trânsito entre a mãe de RN para a mãe de um ser adulto é não deixar de ser protagonista da sua própria vida, entendendo que na vida alheia, mesmo a do seu filho, seremos sempre expectadores.

E agora, como filha que repete mãe, repetirei uma frase que ouvi da minha Professora Rosana Vieira: "Quando você não tem objetivo de vida, vira objeto na vida dos outros".

Esse texto propõe muito mais questões do que respostas, talvez por ser esta um peculiaridade da autora, mas convido a vocês a pensar junto comigo em soluções possíveis para estas questões. A maternidade também se faz no coletivo. E não pode demorar, porque minha filha tá crescendo!

Protagonismo Feminino



Esse texto foi construído a partir da minha experiência clínica e teórica como Psicóloga e como mãe que se debruça sobre o universo do parto, sobretudo no espaço virtual de grupos de parto humanizado. Tendo essas duas vertentes decidi fazer um texto sem comprometimento científico, apenas um diálogo de uma psi observadora, sobre o tão falado Protagonismo Feminino.


Nas redes sociais podemos perceber como as pessoas buscam incessantemente um mestre que lhes digam como e pra onde caminhar. Quem nunca viu nos grupos virtuais perguntas como: o que acham da minha mãe assistir o meu parto?



Esses questionamentos, em geral, vêm de um momento de desorientação, não só técnico-

cientifico, mas do próprio desejo. Que tal se perguntar: quem eu quero do meu lado nessa hora? Como elas se comportam quando estou em situações limitrofes? As respostas podem te surpriender!


Talvez a distinção necessária aqui seja entre os conceitos: vontade e desejo.
Um não é maior do que o outro. A vontade a gente sempre conhece, já o desejo.... Atrás de uma vontade tem sempre um desejo e serem coincidentes não é uma regra, na maioria das vezes é a excessão.  Por exemplo, a pessoa pode ir a mil médicos querendo se livrar de uma diarréia que a acompanha sempre, por nada e por tudo. É sua vontade se livrar dela, mas o seu desejo inconsciente é se manter "desandada", pois foi assim que ela aprendeu que seria amada, sendo a doente da familia. Ela pode fazer uma colonoscopia por ano e não obter nenhum diagnóstico ou ela pode buscar um caminho de trabalho que a coloque de frente ao seu inconsciente.


E aí, o que fazer? Uma vez entendido o processo psíquico da construção do sintoma, não precisamos ser escravos do nosso desejo! Podemos colocá-lo a favor de uma vida melhor. E aí, talvez e, por exemplo, " desandar" o sistema e parir naturalmente, sem que isso lhe custe nenhuma "prisão de ventre".


Quando se começa a ler os relatos de parto, vendo as fotos lindas, todas esperam um parto extraordinário.
Para ser espetacular seu parto não precisa ser de gêmeos, pélvicos e empilicados, no mar e com golfinhos! Se for, me mande as fotos. Se não for, será fora de série, pois foi o seu parto possível.  Pode ser que ele demore mais do que pensou, que tenha mais gases do que você queria, mais intervenções do que você almejava. Mas ainda assim será o seu parto.


É ótimo o sentimento de pertença a um grupo. Ele nos faz sentir parte de um todo. Mas parte não quer dizer igual. O primeiro grupo ao qual pertencemos é a família. Na adolescência destoamos desse ambiente conhecido para construir outros laços. Lançar-se nesse novo mundo tem a intenção de nos apresentar num universo de possibilidades para além dos muros de casa. E isso é bom. É necessário, inclusive. É esse processo que nos ajuda a sair da condição infantil, les infan, aqueles que são falados, para a a fase adulta.


Contudo, venho observando um fenômeno interessante. Noto que há uma busca por adesão e aceitação a esse coletivo pelo espelhamento.  Se em sua maioria as mulheres que já fazem parte desse grupo são vegetarianas, eu, viro logo vegana que é para garantir. Caricaturas a parte, o que tento dizer é que não sair do casulo e fazer tudo o que os familiares esperam é alienação. Isso não é um julgamento moral. É uma constatação. Quer dizer que naquele, momento você fez o era possível fazer, com os recursos emocionais existentes. Uma cesariana, por exemplo. Essa experiência não levará ninguém ao purgatório materno/freudiano/feldminiano. (Essa expressão foi inventada!)
Ela é apenas uma experiência. E como tudo que tem valor emocional pode ser retificado,  significado e ressignificado quantas vezes você se propor.


Na outra ponta, buscar o parto normal  humanizado para ser o avesso das experiências nucleares, te mantém na mesma referência. Fazer algo ou deixar de fazê-lo em função de alguém te conecta ao desejo do outro e não ao seu.
Nessa posição o grupo externo é colocado na posição de mestre.
O discurso da mulher, nesta condição,  busca alguém que lhe dê o caminho das pedras. Já o do mestre quer dar o caminho que tape todos os seus furos. É casamento perfeito, não é!? É o lé com crê. Mas nesse jogo ninguém é senhor do seu desejo. Ninguém é sujeito e sim assujeitados as próprias vontades de serem plenos.  Tornar-se um ser desejante pressupõe lidar com as falhas.  Só há desejo se há falta. E isso é um saber construído.
Esse trabalho não passa pela identificação massissa,  mas sim pela aceitação das diferenças. Então, OK se você é a mineira mas gaucha que existe e sua doula só come veg. Tudo bem se sua mãe achar que você é um bebê que vai parir outro bebê e sua sogra cura humbigo com fumo de rolo. Tudo isso pode coexistir no mesmo lugar. Um desejo não aniquila o outro. Até porque todos que te amam querem te ver feliz. E pra isso, você precisa apontar ( protagonizar) para o seu desejo.

O empoderamento não está no parto normal, está em você! Em qualquer situação ele sempre esteve e sempre estará em você. O parto normal humanizado é uma excelente ferramenta para alcançá-lo.  Ele nos leva aos nossos extremos, ficamos frente a frente como nossos limites e para ultrapassá-los precisamos nos responsabilizar pelo nosso desejo. Quer um parto normal? Então terá que sustentá-lo emocionalmente e colher tudo que ele trouxer de bom e ruim.  E aí, construído isso, quem sabe, durante o trabalho de parto você não prove a feijoada vegetariana da Doula, receba o cafuné da sua mae e... Ah fumo de rolo não, né. Rsrsrs brincadeira, ou não.