segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Destino - página um. O início da História




A moça desta história, Madalena, mora em Belo Horizonte, ela adora a cidade apesar de achar que se tivesse praia seria melhor. Ela se casou, mas ainda mora na casa dos pais. Seria ótimo se eles não dormissem tão tarde. Trabalha de vendedora no Shopping, a comissão é excelente, pena que as promoções para funcionários a consomem. E nesta vida quase boa ela está preste a se formar enfermeira. Não foi fácil chegar ao último período. A faculdade quase foi fechada por irregularidades no currículo, mas os juros das mensalidades atrasadas sempre cumpriram assiduamente sua função: a de lembra-la que não podia gastar R$ 200,00 reais numa calça jeans sem sofrer as consequências disso.

 Enfim, chegou a formatura. Era tanta angústia junta: medo de não ser uma boa profissional, de não conseguir disputar uma vaga com quem fez uma federal, de ser humilhada por médicos no trabalho... Todas as questões eram pertinentes menos a de ter uma diarreia durante o discurso como oradora. Sim, ela estava se borrando. Eram tantas questões passando pela sua cabeça que ela não podia mais se concentrar no trabalho. Logo, foi mandada embora. E ao subir no púlpito para discursar levou consigo o peso de uma desempregada que ainda mora com os pais aos 30 anos e não sabe o que fazer para pagar o financiamento estudantil. Ela não evacuou, mas chorou.

Uma semana após a formatura ela recebeu uma ligação para comparecer a uma entrevista de seleção. Era uma clínica de hemodialise. Como ela passou boa parte da faculdade fazendo estágios rápidos amontoados pelo trabalho na loja, nunca tinha nem entrado num salão como aquele. Mas, bora lá.
Passou na entrevista do RH e na temida entrevista com o Dr. dono da clínica teve que ouvir que a pouco experiência não era problema pois ele tinha um perfil que compunha bem o quadro da clínica: era branca, bonita e não tinha filhos. Pensou: oportunidade não se desperdiça! E lá foi ela furar fistulas no segundo turno da diálise.


Imagem retirada da internet
Tudo naquele lugar a impressionava: o cheiro de ureia, o tempo de duração do procedimento, a história de vida das pessoas. Madalena passou parte do primeiro dia agradecendo a Deus por ter rins perfeitos e a outra parte pensando que nunca mais consumira sódio.
Quando tudo já parecia bem impactante ela viu uma cena de amargar: não dava para acreditar, mas tinha uma moça grávida na máquina.
_Meu Deus como ela consegue passar por tudo isso, todos os dias?! (Gestantes que fazem hemodialise devem se submeter ao procedimento 6 vezes por semana)
Se a rotina de 4 horas de diálise, três vezes por semana já a assustava, era inimaginável alguém planejar engravidar e passar por isso todos os dias, durante nove meses.
_ Moça doida! Pensou ela.

No dia seguinte, mal abriram o salão e entrou a grávida, andando estranho. Sentou-se na poltrana e sorriu pra Madá.
_Tudo bem Iara?
_ Tudo ótimo Madá! Estamos cada vez melhor!
Madá sorriu enquanto pensava:
_ Como pode estar "melhor"? Ela não capta os riscos de estar grávida e ser dialítica?
Mas não satisfeita, Iara estica a conversa.
_ Hoje eu fui ao pré natal e minha enfermeira afirmou que está tudo indo bem para o meu parto normal.
Madalena quis morrer neste momento. Não dava mais pra segurar o sorriso amarelo. Ela passou quatro anos da faculdade ouvindo e vendo os riscos do parto normal para uma mulher saudável, imagine só para uma pessoa com uma doença crônica.
_Mãezinha, (sempre achou fofo quando via seus professores se referirem assim as pacientes grávidas), você não tem noção do que está falando. Quer que seu filho seja doente como você? Pra quê uma mãezinha sem rim vai se submeter a dor e a incerteza de um parto normal? Já não basta ser furada todos os dias?
Iara também não sorria mais.
_Eu não sou mãezinha, sou mãe pra C#$!@$, e você devia estudar mais para evitar falar tanta besteira.
Choque. Mulher falando palavrão já é tão feio, grávida então é imperdoável. Não falou nada, mas passou o caminho pra casa todo praguejando: Sou formada, Querida! Quando tiver um filho deficiente vem atras da enfermagem pra passar sonda, mas não ouve quando a gente fala.
Em casa não conseguiu comer. A dor de cabeça era forte, só não ganhou do sono que ultimamente tem tomando conta da sua vida. Acordou de madrugada com a boca cheia de saliva. Estranho. Foi ao banheiro, na volta passou na geladeira e comeu feijão gelado com pão francês. Esquisito. Acordou com cólicas que deviam ser menstruais se ela não estivesse com 14 dias de atraso.












Links pertinentes

Cartilha de direitos dos pacientes Renais Crônicos
http://www.portas.ufes.br/sites/www.portas.ufes.br/files/Cartilha_FDV_Direitos_Pac_Renais%20Cr%C3%B4nicos.pdf

Dissertação de mestrado em Nefrologia: A gestação em pacientes renais crônicos
 http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6203/000482407.pdf
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6203/000482407.pdf




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