Essa história que eu vou contar aconteceu comigo quando eu
era acadêmica de Psicologia num Hospital Oncológico. Num feriado qualquer,
estava eu sozinha no setor e quando terminei o trabalho, desci para a sala da
Psicóloga. Como não tinha atendimentos
ambulatoriais naquele dia, o andar, que era antigo e escuro, estava deserto e com
um aspecto bem sombrio para a minha imaginação medrosa. Pensei:
_Calma! Vou deixar minhas coisas na sala correndo, pego
minha bolsa, mais correndo ainda e saio voando daqui.
Entrei na sala tipo policial do BOPE, olhando para todos os
lados antes de avançar, fechei a porta correndo, e fui desabotoando o jaleco na
velocidade cinco. Batem na porta. PQP, sô! Respirei fundo, “Coragem mulher!”.
Abri a porta e lá estava um ser com o semblante mais cadavérico que eu já vi na
vida. Pra testar se eram meus dons mediúnicos se manifestando ou a minha
imaginação de” fantástico mundo de Bob” me pregando uma peça, perguntei:
_Pois não, no que posso ajuda-la?
Por um segundo pedi a Deus que ela dissesse:
_ Nada não, boba, foi engano.
Mas...
_ Você é a Psicóloga?
_Não, sou a acadêmica dela.
_Serve você.
Entrou e fechou a porta.
Tremor
_ Preciso que você me responda uma pergunta: Os mortos podem
voltar para falar com os vivos?
Tremor x 2
Pensei: desde que não seja pra falar comigo!
Neste momento parapsicológico, respirei fundo, revesti-me de
toda coragem e arcabouços teóricos e falei de forma bem original:
_Fale mais sobre isso!
_Minha mãe ta internada aqui e o médico disse que ela não
terá muito tempo de vida. Então eu preciso saber se ela poderá voltar para
falar comigo.
Meu coração se compadeceu daquela mulher, como deveria ser terrível
perder a mãe. Eu não podia nem imagina tal situação. Um lampejo de pena passou
por mim, mas eu não permiti que ele se instalasse. Repassei na mente todas as
aulas, a análise e as supervisões para
entender que não era sobre o meu prisma que eu deveria atendê-la. O Sujeito
daquela sessão era ela e não eu. Se eu fosse me basear pelos meus sentimentos eu
a abraçaria e choraria seu pranto. Mas ela buscou uma psicóloga e o meu papel
era de escutar e não falar.
_A Senhora deseja que ela volte?
_ Eu sempre fui expansiva, falava alto, ria alto... e minha
mãe passou a vida me controlando. Não ria assim, não fale assim, isso não é
coisa de mulher descente. Fui definhando. Um dia perguntei:
_Mãe, a senhora nunca vai me deixar em paz?
E ela respondeu:
_ Nem quando eu morrer!
_ Então doutora, ela pode ou não voltar?
Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive em Psicologia.
É o sujeito quem significa sua vida, suas experiências, suas dores. O
tratamento psi pode ajudá-lo a revisitar estes momentos e ressignifica-los, mas
sempre partindo daquilo que ele vê e como ele vê. Se ao invés de ouvi-la eu a
tivesse abraçado e dito coisas como: “Não se preocupe, sua mãe estará sempre
com você, onde quer que você esteja...” Eu teria pagado o maior mico deste e do
outro mundo.
Agora já formada e como doula, percebo que na assistência as
gestantes, muitas vezes, não se percebe essa lógica. Como se todas as mães fossem iguais, como se
toda experiência de parto fosse igual. Estabeleceu-se um padrão ouro no qual
todas almejam e só algumas iluminadas alcançam e as outras se culpam por não
terem chegado lá. Isso é cruel. Quem significa o parto e a maternidade é a
mulher.
Para assistir a gestante é necessário partir de um pressuposto
muito caro a Psicologia: Iniciamos o atendimento cientes de que não sabemos
nada daquele sujeito. NADA! Parece simples, mas não é. Você tem que se
desapegar das suas convicções e saberes para entender que na sua frente há um
ser com desejos desconhecidos, mesmo que você o conheça.
Agora se você está diante de uma grávida como: ativista, familiar, amigo ou colega de consultório, tente fazer esse esforço de incentivar o protagonismo tendo como base o sujeito e não o movimento. Aí você me diz, mas ela é minha filha, sei que ela não suportará a dor, ela não tem estrutura para parto normal, eu não tive. Pronto, já se sabe de quem estamos falando. Dê um passinho pra trás, minha senhora e vamos começar novamente, ok?!
Agora se você está diante de uma grávida como: ativista, familiar, amigo ou colega de consultório, tente fazer esse esforço de incentivar o protagonismo tendo como base o sujeito e não o movimento. Aí você me diz, mas ela é minha filha, sei que ela não suportará a dor, ela não tem estrutura para parto normal, eu não tive. Pronto, já se sabe de quem estamos falando. Dê um passinho pra trás, minha senhora e vamos começar novamente, ok?!
Essa é a hora de ser humilde. É a hora de mostrar que tudo
que você sabe sobre doulagem, enfermage, psicologia, obstetrícia, pediatria...
não servem para nada no que diz respeito aquele ser, se você não permitir que
ele fale. Não é porque muitas mulheres tem medo da dor e preferem agendar uma
cirurgia que aquela ali na sua frente também vai querer. O parto de cócoras é
muito bem indicado pela fisiologia do parto, reduz o risco de laceração, conta
com a ajuda da gravidade, ok, tudo certo, do jeito que você aprendeu na
faculdade. Mas essa mulher quer parir deitada, posição litotômica. Parece ilógico,
parece que você está atirando seu ativismos pela janela, mas não, você está
acolhendo uma pessoa diferente de você.
Não se conhece sua vida, seus traumas, suas questões. Respeite o outro pelo que
ele é, pelo simples fato dele não ser você.
Ah, menina, se fosse eu transmitia o parto pela internet.
Parir é lindo demais! Mas ela não quer. Não quer a doula, não quer o marido, quer
a amiga e só. E só. Aceite.
As mães, quando estão assim como você, adoram quando a gente
faz encurtamento de colo. Eu enfio os dois dedos e na hora da contração eu
empurro o colo pra trás e você faz força pra frente. O bebe nasce rapidinho.
Vai nascer aqui na minha mão, quer ver. Vamos lá!
Não, não existe uma categoria “todas as mães”, nem “todos os
bebês” ou “todos os doentes”. Existem,, pessoas e mesmo que a ciência universalize
o saber, nós não podemos anular o particular. Cada mulher é uma mulher e cada
mãe é uma mãe, na vida e na morte.
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