quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Lições de Psicologia à Assistência ao Parto ou sustos de uma acadêmica


Essa história que eu vou contar aconteceu comigo quando eu era acadêmica de Psicologia num Hospital Oncológico. Num feriado qualquer, estava eu sozinha no setor e quando terminei o trabalho, desci para a sala da Psicóloga.  Como não tinha atendimentos ambulatoriais naquele dia, o andar, que era antigo e escuro, estava deserto e com um aspecto bem sombrio para a minha imaginação medrosa. Pensei:

_Calma! Vou deixar minhas coisas na sala correndo, pego minha bolsa, mais correndo ainda e saio voando daqui.

Entrei na sala tipo policial do BOPE, olhando para todos os lados antes de avançar, fechei a porta correndo, e fui desabotoando o jaleco na velocidade cinco. Batem na porta. PQP, sô! Respirei fundo, “Coragem mulher!”. Abri a porta e lá estava um ser com o semblante mais cadavérico que eu já vi na vida. Pra testar se eram meus dons mediúnicos se manifestando ou a minha imaginação de” fantástico mundo de Bob” me pregando uma peça, perguntei:

_Pois não, no que posso ajuda-la?

Por um segundo pedi a Deus que ela dissesse:

_ Nada não, boba, foi engano.

Mas...

_ Você é a Psicóloga?

_Não, sou a acadêmica dela.

_Serve você.

Entrou e fechou a porta.

Tremor

_ Preciso que você me responda uma pergunta: Os mortos podem voltar para falar com os vivos?

Tremor x 2

Pensei: desde que não seja pra falar comigo!

Neste momento parapsicológico, respirei fundo, revesti-me de toda coragem e arcabouços teóricos e falei de forma bem original:

_Fale mais sobre isso!

_Minha mãe ta internada aqui e o médico disse que ela não terá muito tempo de vida. Então eu preciso saber se ela poderá voltar para falar comigo.

Meu coração se compadeceu daquela mulher, como deveria ser terrível perder a mãe. Eu não podia nem imagina tal situação. Um lampejo de pena passou por mim, mas eu não permiti que ele se instalasse. Repassei na mente todas as aulas, a análise e as supervisões  para entender que não era sobre o meu prisma que eu deveria atendê-la. O Sujeito daquela sessão era ela e não eu. Se eu fosse me basear pelos meus sentimentos eu a abraçaria e choraria seu pranto. Mas ela buscou uma psicóloga e o meu papel era de escutar e não falar.

_A Senhora deseja que ela volte?

_ Eu sempre fui expansiva, falava alto, ria alto... e minha mãe passou a vida me controlando. Não ria assim, não fale assim, isso não é coisa de mulher descente. Fui definhando. Um dia perguntei:

_Mãe, a senhora nunca vai me deixar em paz?

E ela respondeu:

_ Nem quando eu morrer!

_ Então doutora, ela pode ou não voltar?


Esse foi um dos grandes ensinamentos que tive em Psicologia. É o sujeito quem significa sua vida, suas experiências, suas dores. O tratamento psi pode ajudá-lo a revisitar estes momentos e ressignifica-los, mas sempre partindo daquilo que ele vê e como ele vê. Se ao invés de ouvi-la eu a tivesse abraçado e dito coisas como: “Não se preocupe, sua mãe estará sempre com você, onde quer que você esteja...” Eu teria pagado o maior mico deste e do outro mundo.

Agora já formada e como doula, percebo que na assistência as gestantes, muitas vezes, não se percebe essa lógica.  Como se todas as mães fossem iguais, como se toda experiência de parto fosse igual. Estabeleceu-se um padrão ouro no qual todas almejam e só algumas iluminadas alcançam e as outras se culpam por não terem chegado lá. Isso é cruel. Quem significa o parto e a maternidade é a mulher.

Para assistir a gestante é necessário partir de um pressuposto muito caro a Psicologia: Iniciamos o atendimento cientes de que não sabemos nada daquele sujeito. NADA! Parece simples, mas não é. Você tem que se desapegar das suas convicções e saberes para entender que na sua frente há um ser com desejos desconhecidos, mesmo que você o conheça.

Agora se você está diante de uma grávida como: ativista, familiar, amigo ou colega de consultório, tente fazer esse esforço de incentivar o protagonismo tendo como base o sujeito e não o movimento. Aí  você me diz, mas ela é minha filha, sei que ela não suportará a dor, ela não tem estrutura para parto normal, eu não tive. Pronto, já se sabe de quem estamos falando. Dê um passinho pra trás, minha senhora e vamos começar novamente, ok?!

Essa é a hora de ser humilde. É a hora de mostrar que tudo que você sabe sobre doulagem, enfermage, psicologia, obstetrícia, pediatria... não servem para nada no que diz respeito aquele ser, se você não permitir que ele fale. Não é porque muitas mulheres tem medo da dor e preferem agendar uma cirurgia que aquela ali na sua frente também vai querer. O parto de cócoras é muito bem indicado pela fisiologia do parto, reduz o risco de laceração, conta com a ajuda da gravidade, ok, tudo certo, do jeito que você aprendeu na faculdade. Mas essa mulher quer parir deitada, posição litotômica. Parece ilógico, parece que você está atirando seu ativismos pela janela, mas não, você está acolhendo  uma pessoa diferente de você. Não se conhece sua vida, seus traumas, suas questões. Respeite o outro pelo que ele é, pelo simples fato dele não ser você.

Ah, menina, se fosse eu transmitia o parto pela internet. Parir é lindo demais! Mas ela não quer. Não quer a doula, não quer o marido, quer a amiga e só. E só. Aceite.
As mães, quando estão assim como você, adoram quando a gente faz encurtamento de colo. Eu enfio os dois dedos e na hora da contração eu empurro o colo pra trás e você faz força pra frente. O bebe nasce rapidinho. Vai nascer aqui na minha mão, quer ver. Vamos lá!

Não, não existe uma categoria “todas as mães”, nem “todos os bebês” ou “todos os doentes”. Existem,, pessoas e mesmo que a ciência universalize o saber, nós não podemos anular o particular. Cada mulher é uma mulher e cada mãe é uma mãe, na vida e na morte.


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